Justiça

Herdeiros do fundador do maior escritório de advogados querem proibi-lo de usar o nome Morais Leitão

<span class="creditofoto">Foto Luís Barra</span>

Foto Luís Barra

Os herdeiros de João Morais Leitão, falecido em 2006, querem retirar à maior sociedade de advogados do país o direito de usar o apelido de família. A guerra judicial já chegou ao Tribunal Constitucional

Texto Micael Pereira e Rui Gustavo

A guerra passou a ser oficial em 2015, quando a advogada Teresa Morais Leitão colocou uma ação em tribunal em nome dela e dos seus três irmãos contra a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados (MLGTS). O motivo era um pouco invulgar para a sobriedade e a contenção que costumam dominar o ambiente elitista dos grandes escritórios de advogados. A advogada quer que a firma Morais Leitão deixe de usar o apelido herdado do pai, João Morais Leitão, fundador da sociedade na década de 1990 e falecido em 2006.

Há três semanas, Teresa Morais Leitão conseguiu ganhar uma batalha ao ver o Tribunal da Relação de Lisboa decidir, num acórdão de 22 de novembro, que a sociedade de advogados está obrigada a pagar-lhe 200 mil euros, um valor que corresponde às últimas duas prestações de um acordo assinado em junho de 2012, quando a filha do fundador deixou ela própria de ser sócia do escritório. Nesse acordo tinha ficado estipulado que iria receber uma compensação pela sua saída de 562.500 euros, a ser paga em cinco prestações — uma por ano — entre dezembro de 2012 e dezembro de 2016, mas a ação colocada por ela e pelos irmãos em tribunal em 2015 levou a MLGTS a suspender o pagamento das últimas duas tranches, alegando que os termos do acordo, que obrigavam Teresa Morais Leitão a respeitar o bom nome da firma, tinham sido postos em causa.

Em contrapartida, depois de um tribunal de primeira instância ter sentenciado, a 29 de março de 2016, a seu favor na disputa sobre o nome, condenando a sociedade a retirar o apelido do fundador da sua designação social e a “promover junto da Ordem dos Advogados o registo da firma sem o nome de família Morais Leitão”, o Tribunal da Relação de Lisboa reverteu essa decisão em junho de 2017, num acórdão que foi depois confirmado em março de 2018 pelo Supremo Tribunal de Justiça — nove meses antes de a Relação se pronunciar, no acórdão de 22 de novembro, sobre o pagamento devido a Teresa Morais Leitão de 200 mil euros.

A sociedade de advogados diz que “este é um assunto encerrado”. Segundo Rui Patrício, sócio do escritório que faz parte do seu conselho de administração, a MLGTS já tinha “decidido fazer o pagamento da parte em falta antes da decisão da Relação, por razões institucionais, resolvendo definitivamente um tema do passado e olhando para o futuro”. Sendo que o futuro passa não só por continuar a usar o nome Morais Leitão, como a usá-lo ainda com mais destaque, como marca de referência. O escritório começou inclusive uma campanha para, de forma progressiva, deixar cair os outros apelidos da firma, passando a chamar-se simplesmente Morais Leitão.

A filha do fundador da MLGTS não se conforma que o escritório insista com algo que vai contra a vontade dos herdeiros de João Morais Leitão: “A sociedade diz que o facto de continuar a usar o nome do meu pai é uma homenagem que lhe faz, mas esse não é meu conceito de homenagem.”

Perder o recurso no Supremo não fez com que Nuno Godinho de Matos, o advogado que representa Teresa Morais Leitão no processo, atirasse a toalha ao chão. Em julho deste ano remeteu o processo para o Tribunal Constitucional, alegando que as derrotas da sua cliente na Relação e no Supremo se deveram a uma interpretação inconstitucional da lei, pelo facto de ter sido entendido pelos juízes desembargadores e conselheiros que um decreto-lei que entrou em vigor em 2004 podia ser aplicado de forma retroativa.

Existe um decreto-lei, o 229/2004, de 10 de dezembro de 2004, que permite que uma sociedade possa manter na sua designação o nome de ex-sócios se cumprir certas condições. De acordo com esse diploma, um escritório pode manter “o nome, completo ou abreviado, de ex-sócios mediante autorização escrita destes ou dos seus herdeiros, dada a qualquer momento”, deixando essa autorização de ser necessária “quando o nome do ex-sócio tenha figurado na firma da sociedade por mais de 20 anos”.

Para Teresa Morais Leitão, a questão é simples: o pai morreu e a família é a legítima herdeira do apelido, pelo que se alguém mais quer usá-lo — ou, neste caso, continuar a usá-lo — tem de pedir autorização para o fazer.

Uma autorização foi concedida pelo pai à sociedade de advogados. Mas, segundo a filha, caducou em 2014. “O meu pai era um homem de parcas palavras. No início de 2004, quando estava doente e decidiu deixar de exercer advocacia, fez um acordo de três ou quatro páginas em que dava uma autorização temporária à sociedade para o uso do seu nome. Todos os outros sócios fizeram acordos também de autorização para o uso dos seus nomes, mas sem estipular qualquer limite temporal. Mas o meu pai, não. Quando fez esse acordo ele tinha noção que o poder dessa autorização seria deixado aos filhos.”

João Morais Leitão (à esquerda) com Belmioro de Azevedo na década de 80 <span class="creditofoto">FOTO RUI OCHÔA</span>

João Morais Leitão (à esquerda) com Belmioro de Azevedo na década de 80 FOTO RUI OCHÔA

Usucapião ou necessidade de autorização?

A sociedade MLGTS foi criada em dezembro de 1993 por João Morais Leitão, advogado que fez parte do grupo de fundadores do CDS na década de 1970 e que chegou a ser ministro dos Assuntos Sociais e das Finanças, no início dos anos 1980.

O escritório resultou da fusão entre a sociedade de Morais Leitão e uma sociedade liderada por João Manuel Galvão Teles, tendo o seu nome ficado à cabeça da nova estrutura, que passou a chamar-se Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados, naquela que é hoje a firma de advogados que mais fatura em Portugal (55 milhões de euros em 2017, de acordo com o ranking da Iberian Lawyer publicado em agosto deste ano).

Em janeiro de 2004, João Morais Leitão autorizou a sociedade a usar o seu nome, podendo essa autorização ser revogada a qualquer momento, o que veio a acontecer quando a 29 de dezembro de 2011 os herdeiros do advogado escreveram uma carta ao escritório a dizer que a firma tinha de retirar o nome da sua denominação social até 1 de janeiro de 2014. Isso não foi acatado e a ação posta em tribunal meses depois, em 2015, alegava que o escritório se tinha “apropriado ilegalmente” do apelido.

Na contestação que apresentou em tribunal, a MLGTS sustentou que Teresa Morais Leitão não tinha, no entanto, o direito ao uso exclusivo do apelido. “Esse nome reporta-se ao Dr. João Morais Leitão, que foi sócio fundador da ré, a qual assim perpetua e honra, profissional e pessoalmente, o seu fundador, respeitando a sua vontade, sustentando assim a manifesta improcedência da ação, por total falta de fundamento”, dizia a contestação.

Na primeira instância, o tribunal concluiu que esse diploma “apenas entrou em vigor no dia 10 de janeiro de 2005” e que os tais 20 anos, tendo em conta isso, só seriam completados em 10 de janeiro de 2025, porque “por regra a lei só se estabelece para o futuro”. Segundo a sentença decidida em 2016, “não há assim, ressalvada intenção expressa do legislador nesse sentido, efeito retroativo na aplicação duma nova lei”.

O argumento usado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de março deste ano foi, no entanto, exatamente ao contrário: “A letra do preceito sugere, desde logo, que o seu dispositivo se aplica ao tempo já decorrido, quando da sua entrada em vigor.” E apesar do voto vencido de um dos três juízes do coletivo, o Supremo concluiu que “a sociedade já usava o nome do Dr. Morais Leitão na sua designação social desde 1993, pelo que os 20 anos se completaram antes de 1 de janeiro de 2014”, o prazo-limite dado pela família. Não há data prevista para o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre o assunto.