Andamos nisto

Andamos nisto

Bernardo Ferrão

O incompreensível silêncio do PSD

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Perdoem-me por voltar ao tema da Saúde, mas a situação é demasiado grave. Há relatos assustadores dos efeitos da greve dos enfermeiros. A paralisação nos blocos operatórios já levou ao cancelamento de quase cinco mil cirurgias. No Hospital Santa Maria, por exemplo, há muitas crianças que não estão a ser operadas desde o início da greve, ou seja, nas últimas duas semanas. O mesmo se passa em Coimbra e no Porto.

Não quero aqui discutir as razões dos enfermeiros e do Governo, são sobejamente conhecidas e, como já escrevi neste espaço, reconheço que os enfermeiros até têm as suas razões. São vítimas das expectativas não cumpridas que foram sendo alimentadas pelos objetivos políticos de António Costa. Parece-me no entanto que chegados aqui, e face aos sérios danos deste protesto, os enfermeiros estão a passar todas as marcas. Os exageros enfraquecem a luta por mais razão que ela tenha.

A questão que aqui me traz é o surpreendente silêncio do PSD perante tudo isto. Num ambiente hostil e altamente incómodo, em vez de apontar aos assuntos que realmente importam, em vez de fazer das fragilidades de António Costa a sua força, Rui Rio mostra-se mais preocupado com as suas guerrinhas de estimação: contra os opositores internos e contra a comunicação social. Rio nem sequer percebeu que, no limite, este clima de protestos até favorece Costa. O primeiro-ministro ocupou-lhe o centro e assume-se agora como o garante da estabilidade.

O PSD é hoje uma sombra e arrisca ficar alguns anos fora do poder. Nos últimos meses, sempre que falam, Rio e os seus homens vão reconhecendo a derrota por meias palavras e culpando os opositores internos. O partido andou mais concentrado em proteger a sua liderança do que os interesses do país

Perante o atual estado das coisas no país, não há uma ideia do PSD que nos fique na memória, nem uma estratégia desenhada. Há sim desunião de sobra, reação em vez de ação e sobretudo um primeiro-ministro folgado pela oposição que até anuncia que se o Governo fizer dez erros “o PSD não deve apontar doze nem dez, mas oito ou nove, para que o país perceba que é um partido responsável que até critica o Governo menos do que ele merece.” Como é que alguém pode ser encarado como alternativa quando não se assume de facto como alternativa?

Estamos a pouco mais de 10 meses das legislativas e pelo meio ainda há europeias. A esta distância é perigoso entrar no campeonato das previsões – mesmo conhecendo os resultados de sondagens que dão valores nunca vistos ao PSD –, mas é óbvio que Rio parte em muito más condições para 2019. Nas europeias, que são eleições normalmente difíceis para os governos, Rio terá o seu primeiro teste. O PSD vai exigir-lhe uma vitória – António José Seguro fez “poucochinho” mas ganhou – mas Rio já está a preparar o partido para o pior. Ainda assim deve cumprir o seu mandato até ao fim. A política tem de ter regras e o calendário nem sequer permite mudar de líder entre as europeias e as legislativas.

No último Conselho Nacional, Rio dizia que o partido podia “perder à primeira, à segunda, à terceira, à quarta, à quinta... mas vai chegar o dia em que o país perceberá a diferença”. Em teoria, Rio pode ter alguma razão, as lideranças precisam de tempo para se afirmarem, o problema é que o seu tempo parece estar a esgotar-se. O PSD é hoje uma sombra e arrisca ficar alguns anos fora do poder. Nos últimos meses, sempre que falam, Rio e os seus homens vão reconhecendo a derrota por meias palavras e culpando os opositores internos. A narrativa está construída e será usada no domingo de eleições. Mas nessa altura servirá de pouco. O PSD continuará na oposição por não ter cumprido o seu papel. Andou mais concentrado em proteger a sua liderança do que os interesses do país.