REBELDES E RESISTENTES - XII
Os espanhóis tentaram evangelizá-los, mas o resultado foi violento. História da resistência do povo chiriguano
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REBELDES E RESISTENTES - XII
Os espanhóis tentaram evangelizá-los, mas o resultado foi violento. História da resistência do povo chiriguano
Os chiriguanos são um povo indígena de língua tupí guaraní que originalmente se autodenominavam avá (homens). Chegaram ao território da atual Bolívia no século XV, procedentes do Paraguai, e instalaram-se no espaço andino, onde a sua belicosidade travou primeiro a expansão do império inca e, depois, a dos espanhóis. Estes, ao longo dos séculos XVI e XVII, avançaram sobre as terras dos chiriguanos, fundando cidades e fazendas, e tentaram evangelizá-los, fundando várias missões e diversas ordens religiosas (Agostinhos, Dominicanos e Jesuítas), ainda que com pouco sucesso
Texto Benita Herreros Cleret de Langavant com Joana Beleza Ilustração de João Carlos Santos
Em 1727, estalou uma “sublevação geral” protagonizada por chiriguanos oriundos de diversas partes da cordilheira dos Andes que se coligaram com os que viviam nas missões, sob a liderança do cacique Arumá, da missão dominicana denominada Chiquiacá. Não se sabe muito sobre ele, apenas que se convertera fazia pouco ao catolicismo, embora ainda mantivesse a liderança espiritual do seu povo. A própria origem da designação chiriguano, apesar de envolta em alguma controvérsia, está relacionada com a resistência deste povo face aos incas e parece proceder do quéchua e ter um sentido pejorativo, provavelmente o de “excremento frio”.
A sublevação de 1727 começou com grande violência. No primeiro mês, os revoltosos destruíram sete missões e mataram três frades dominicanos, atacaram fazendas onde mataram pelo menos 100 espanhóis e índios, levaram cativas mulheres e crianças, roubaram centenas de cabeças de gado e cavalos e provocaram elevados danos materiais.
Os motivos da revolta foram diversos, se bem que a causa próxima tenha sido o castigo dado pelos missionários a uma borracheira, uma celebração em que participava toda a comunidade e membros de comunidades aliadas e que contribuía de forma significativa para a coesão social. Nestas reuniões consumia-se uma grande quantidade de álcool, pelo que os missionários as denominaram de “borracheiras”, interpretando-as como um elemento conducente à desordem e à idolatria e procurando, como tal, erradicá-las.
As razões de fundo tinham que ver com a escassez de alimentos provocada por uma forte seca e pelos efeitos do progressivo avanço espanhol sobre as terras mais férteis, empurrando os chiriguanos para terras pouco produtivas.
Martírio de Julián Lizardi S.J. Igreja de Asteasu, Guipúzcoa
O conflito propagou-se rapidamente pelas terras da fronteira chiriguana, contando com a participação de quase 10 mil guerreiros indígenas. Os espanhóis coordenaram as represálias, que foram lideradas pelas cidades de Tarija e Santa Cruz de la Sierra, pelo que durante os anos seguintes destruíram assentamentos, queimaram as culturas, mataram cerca de 200 índios e capturaram um milhar. Entre eles estava o cacique Arumá, que foi levado como escravo até que conseguiu voltar às suas terras. Há notícia de que morreu de morte natural.
A feroz repressão da revolta incentivou alguns índios a aceitarem a paz e a irem viver em novas missões jesuítas, mas também provocou a reação violenta de outros grupos que até então não tinham participado no conflito. Em 1735, os indígenas atacaram as missões. Numa delas mataram o jesuíta Julián Lizardi e mais outros dois espanhóis, além de atacarem símbolos religiosos como foi o caso da imagem da virgem, cuja estátua decapitaram e à qual cortaram as mãos
Estes atos de violência simbólica sinalizavam bem a rejeição da religião cristã que levava os missionários a evangelizar essas terras. Depois deste acontecimento, a insurreição foi definitivamente sufocada pelas forças espanholas. Porém, a resistência chiriguana manteve-se ao longo do século XVIII, havendo novos motins em 1750, 1774-1780 e 1793-1799.
MONUMENTO AO CHIRIGUANO, SANTA CRUZ DE LA SIERRA (BOLÍVIA)
Em 1892 teve lugar a última grande batalha, conhecida como batalha de Kuruyuki, na qual as divisões internas entre os chiriguanos permitiram um grande massacre por parte do exército boliviano, cujo resultado foi a dispersão territorial dos indígenas sobreviventes. Atualmente, os chiriguanos moram no sul da Bolívia, noroeste da Argentina e oeste do Paraguai, reunindo-se anualmente, desde o centenário da batalha em 1992, para comemorar em conjunto a luta do seu povo.
O artigo sobre a resistência na Bolívia é o último de uma série de 12 biografias de resistentes, que pretendeu chamar a atenção do grande público para personagens, ou grupos de pessoas, cujos combates num passado remoto são pouco conhecidos. E, no entanto, as resistências que estas pessoas “sem voz” fizeram ao longo da História são fundamentais para compreendermos os processos de transformação social.
Estes artigos enquadram-se num projeto de investigação europeu intitulado “RESISTANCE, Rebeliões e resistência no Impérios Ibéricos, séculos XVI-1850”, coordenado por Mafalda Soares da Cunha no CIDEHUS, Universidade de Évora, e conta com a parceria da Casa da América Latina e do Expresso.
A autora deste artigo é Benita Herreros Cleret de Langavant da Universidade de Cantabria, Espanha.
Os chiriguanos são um povo indígena de língua tupí guaraní que originalmente se autodenominavam avá (homens). Chegaram ao território da atual Bolívia no século XV, procedentes do Paraguai, e instalaram-se no espaço andino, onde a sua belicosidade travou primeiro a expansão do império inca e, depois, a dos espanhóis. Estes, ao longo dos séculos XVI e XVII, avançaram sobre as terras dos chiriguanos, fundando cidades e fazendas, e tentaram evangelizá-los, fundando várias missões e diversas ordens religiosas (Agostinhos, Dominicanos e Jesuítas), ainda que com pouco sucesso