REBELDES E RESISTENTES - VIII
El Escorial. Tem nome de palácio, mas esta é a história de uma revolta contra os reis de Espanha
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REBELDES E RESISTENTES - VIII
El Escorial. Tem nome de palácio, mas esta é a história de uma revolta contra os reis de Espanha
Nem todas as histórias de resistência são levadas a cabo por personagens com nomes e rostos definidos. Este caso tem um protagonista coletivo: um conjunto de moradores de aldeias ao redor da vila de El Escorial, Espanha, onde o rei Felipe II (1527-1598) mandou erguer o famoso Mosteiro-Palácio de São Lourenço do Escorial, que veio a simbolizar o ideal político da Monarquia Católica
Texto Pablo Sánchez León com Joana Beleza Ilustração João Carlos Santos
El Escorial estava situada a meia centena de quilómetros da corte imperial de Madrid e o programa de Felipe II para a vila incluía a demarcação territorial de uma coutada régia para o seu uso exclusivo durante os encontros de ócio e negócio com a aristocracia da monarquia de Espanha.
A jurisdição da coutada foi delimitada em 1566, proibindo-se a caça aos membros da comunidade, sob o risco de penas muito elevadas, não apenas nos limites da coutada, mas num território de mais de 20 quilómetros quadrados em redor desta. E tal determinação afetava fortemente os direitos de numerosas vilas e aldeias circundantes que sempre tinham encontrado na caça um importante recurso económico para o seu quotidiano.
Uma vez que a caça era uma atividade relevante para a economia e a identidade comunitária daquela região, apesar da proibição, os moradores dessas comunidades não deixaram de a praticar, fazendo-o de forma furtiva. Em resposta, as autoridades da monarquia iniciaram uma escalada repressiva que se prolongou durante os séculos seguintes: criaram instâncias jurisdicionais superiores e concentraram o poder punitivo em juízes especiais, aumentaram exponencialmente as penas e militarizaram o perímetro da coutada. Começaram, inclusive, a punir as autoridades locais pelos delitos cometidos pelos moradores das localidades, ao ponto de em finais do século XVIII as multas e penas por caça furtiva serem aplicadas aos dirigentes das aldeias da mesma forma que aos réus.
Mesmo com todas essas ações de repressão, as autoridades da monarquia não conseguiram submeter os vizinhos de El Escorial e os numerosos concelhos de vilas e aldeias dos arredores. Com o tempo, a repressão judicial converteu-se em negociação com as autoridades locais, oferecendo-se contrapartidas às comunidades envolvidas para o abandono da caça na coutada real. A mais importante dessas compensações foi a possibilidade de realização de feiras isentas de impostos. Era preferível à corte aceitar uma perda nas fontes de receita tributária para o tesouro real do que ceder às reivindicações feitas para a manutenção dos direitos de caça pelos moradores de El Escorial.
Ainda assim, a intensidade da caça furtiva manteve-se, colocando em xeque as autoridades judiciais da monarquia e revelando que a identidade de vizinhança dos moradores de El Escorial se construiu precisamente em redor do conflito e da história de resistência gerados pela prática da caça.
O artigo sobre os caçadores rebeldes é o oitavo de uma série de 12 biografias de resistentes, que pretende chamar a atenção do grande público para personagens, ou grupos de pessoas, cujos combates num passado remoto são pouco conhecidos. E, no entanto, as resistências que estas pessoas “sem voz” fizeram ao longo da História são fundamentais para compreendermos os processos de transformação social.
Estes artigos enquadram-se num projeto de investigação europeu intitulado “RESISTANCE, Rebeliões e resistência no Impérios Ibéricos, séculos XVI-1850”, coordenado por Mafalda Soares da Cunha no CIDEHUS, Universidade de Évora, e conta com a parceria da Casa da América Latina e do Expresso.
O autor deste artigo Pablo Sánchez León da NOVA FCSH/CHAM.
Nem todas as histórias de resistência são levadas a cabo por personagens com nomes e rostos definidos. Este caso tem um protagonista coletivo: um conjunto de moradores de aldeias ao redor da vila de El Escorial, Espanha, onde o rei Felipe II (1527-1598) mandou erguer o famoso Mosteiro-Palácio de São Lourenço do Escorial, que veio a simbolizar o ideal político da Monarquia Católica