REBELDES E RESISTENTES - V

Antonia de Alarcón. Enforcada e com a cabeça exposta à vista de todos para acabar com motins na Galiza do século XIX

A história da Galiza não conta com revoltas importantes, mas não se viu livre de motins. A enorme quantidade de processos judiciais conservados mostra que os galegos, apesar de não serem revoltosos violentos, foram grandes litigantes. De forma geral, o objetivo das manifestações da época era chamar a atenção para um problema concreto e conseguir a ajuda das autoridades em tempos de escassez. Mas a revolta de Ferrol ficaria na História como um marco de violência e horror. Foi um tumulto excecional, tanto pela violência com que se desenvolveu como pelos seus atores principais

Texto Ana M. Sixto Barcia COM JOANA BELEZA ILUSTRAÇÃO JOÃO CARLOS SANTOS

No século XVIII, a cidade de Ferrol, localizada na Galiza, assistiu a um grande aumento da população relacionado com a instalação do arsenal, instituição militar fortificada, com funções militares e industriais, e também com a atividade do estaleiro de Ferrol, pelo que os seus habitantes dependiam do trabalho oferecido por ambos.

A revolta estalou a 10 de janeiro de 1810 quando os trabalhadores do arsenal souberam que a sua atividade seria transferida para Cádiz, no sul de Espanha, e se juntaram em multidão contra as autoridades da cidade. Os revoltosos reivindicavam a reativação da atividade do arsenal em Ferrol e o pagamento de salários em atraso, mas as suas ações foram exacerbadas pelos difíceis momentos de escassez que viviam.

Plano do arsenal de Ferrol no século XVIII, do Arquivo Geral de Simancas

Plano do arsenal de Ferrol no século XVIII, do Arquivo Geral de Simancas

Entre esta multidão estava Antonia de Alarcón, viúva de um trabalhador do arsenal que reclamava os salários em atraso devidos ao marido e que, não sendo o principal rosto da revolta, foi a sua principal vítima. Antonia e outras mulheres começaram o motim às primeiras horas da manhã, gritando impropérios contra as autoridades militares às portas do arsenal. A elas juntaram-se os trabalhadores do arsenal e outros revoltosos. Eventualmente, o povo enfurecido conseguiu entrar no arsenal, nomeadamente nas instalações do comandante geral, Dom José de Vargas y Varaes, a máxima autoridade do arsenal.

Antonia entrou com a multidão e foi a primeira a agredir o comandante geral com o compasso de carpinteiro do seu defunto marido. O gesto foi o mote para que a população continuasse a agredi-lo violentamente, acabando por matá-lo e arrastando, posteriormente, o seu cadáver pelas ruas da cidade.

Depois do escândalo, Antonia de Alarcón foi sinalizada por alguns trabalhadores e por alguns guardas como uma das principais cabecilhas da revolta, por ter sido a primeira a atacar José de Vargas. Apesar de ter atuado no motim desde o primeiro momento, incitando outras mulheres a juntar-se à revolta, Antonia, pela fragilidade que a sua condição de mulher e de viúva lhe impunha, não foi mais do que um bode expiatório.

Em Janeiro de 1811, a Real Audiência, o principal tribunal de justiça galego, ordenava que a “Alarcona” fosse executada publicamente na forca e que, depois de morta, a sua cabeça fosse cortada e colocada num pau de madeira à entrada do arsenal, como sinal de advertência. A sentença pretendia-se exemplar.

Outros homens e mulheres foram processados, mas não com a dureza de Antonia de Alarcón. Este é um caso de uma revolta falhada, pois além da punição exemplar a alguns dos seus cabecilhas, o arsenal acabou por ser desmantelado e uma boa parte da sua atividade transferida para Cádiz.

O artigo sobre Antonia de Alarcon é o quinto de uma série de 12 biografias de resistentes, que pretende chamar a atenção do grande público para personagens, ou grupos de pessoas, cujos combates num passado remoto são pouco conhecidos. E, no entanto, as resistências que estas pessoas “sem voz” fizeram ao longo da História são fundamentais para compreendermos os processos de transformação social.

Estes artigos enquadram-se num projeto de investigação europeu intitulado “RESISTANCE, Rebeliões e resistência no Impérios Ibéricos, séculos XVI-1850”, coordenado por Mafalda Soares da Cunha no CIDEHUS, Universidade de Évora, e conta com a parceria da Casa da América Latina e do Expresso.

A autora deste artigo é Ana M. Sixto Barcia, da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha.