<span class="autor">Daniel Oliveira</span>

Daniel Oliveira

Daniel Oliveira

À justiça o que é da justiça, à política o que é da política. Mas...

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A fase em que o processo de José Sócrates se encontra, onde se averigua a solidez de várias partes do processo para ir a julgamento, é especialmente sensível. Porque dificilmente os leigos, onde me incluo, compreenderão as razões para o que fica no caminho. A guerra que tem sido movida na imprensa ao juiz Ivo Rosa, muito provavelmente pelo Ministério Público, torna tudo ainda mais difícil. O objetivo, mais do que condicionar as decisões do juiz, é condicionar a leitura que se faça dessas decisões. Para que seja ele, e não qualquer fragilidade do trabalho do Ministério Público, a ser responsabilizado pelo que entretanto falhe. É lamentável que haja quem continue a apostar em vitórias fora das salas de audiências.

Com a acusação e algumas respostas de Sócrates que vamos conhecendo, é possível afirmar algumas convicções sobre este processo. Pelo menos para quem, ao contrário dos juízes, não está obrigado a presumir ninguém inocente na sua própria consciência. Independentemente da capacidade de apresentar prova para uma condenação, coisa que só acontecerá mais à frente, parece-me claro, do que conheço, que há sobeja matéria para levar José Sócrates a tribunal por branqueamento de capitais e fuga ao fisco.

Nenhuma das respostas que o ex-primeiro-ministro foi dando consegue explicar o dinheiro que foi tendo e gastando. Nem a profunda amizade que tinha com Carlos Santos Silva, que o levava a quase exigir-lhe supostos “empréstimos”, nem o cofre onde a mãe guardava cinco milhões de euros. Na Justiça, os esclarecimentos têm de minimamente convincentes. Estes são risíveis. Para quem dizia que não ia deixar pedra sobre perda neste processo é muito pouco.

No atual cenário político, não há nada mais preocupante do que a possibilidade de um desfecho que não resulte numa condenação clara de José Sócrates. Ou numa absolvição clara, o que já parece improvável. Os juízes não têm nem devem estar atentos a isto. Mas podemos nós preocupar-nos

Já sobre a acusação de corrupção, as coisas são mais complicadas. Claro que se recebeu dinheiro que não era seu foi por alguma razão. E tendo em conta o cargo que ocupava e as somas que estão em causa, é mais do que legítimo presumir que o objetivo de quem o fez chegar aos bolsos do governante o estivesse a corromper. Só que não basta mostrar que Sócrates é corrupto, é preciso condená-lo por um crime específico de corrupção. É preciso saber quem é o corruptor e o objetivo da corrupção. E, mais uma vez apenas pelo que se conhece, as coisas são mais frágeis nesse campo. Seja a OPA da PT, o favorecimento ao grupo Lena, as casas da Venezuela ou o financiamento de Vale do Lobo, o que foi recolhido parece demasiado circunstancial ou mesmo pouco consistente. Claro que ainda falta ouvir, no julgamento, arguidos e testemunhas. Pode ser que se chegue lá entretanto.

Esta fragilidade preocupa-me. Porque se falta a corrupção, falta quase tudo. Há até quem acha que a falta de prova nisto prejudica a acusação de branqueamento de capitais e fuga ao fisco. No atual cenário político, com a extrema-direita a espreitar, não há nada mais preocupante do que a possibilidade de um desfecho que não resulte numa condenação clara. Ou numa absolvição clara, o que, perante o que disse no início deste texto, já parece improvável. Não estou a dizer com isto que José Sócrates deve ser condenado por razões políticas. Estou a dizer que, independentemente do processo, um desfecho menos claro seria uma tragédia.

Os juízes, seja Ivo Rosa ou os que vierem depois a intervir no julgamento, não têm nem devem estar atentos a isto. Se o que tiverem à frente for frágil, têm de fazer o que têm de fazer. Mas podemos nós preocupar-nos. Porque, gostemos ou não, o desfecho deste julgamento terá fortíssimas consequências políticas. E depois de todas as rábulas de Sócrates sobre a origem do seu dinheiro não há um português de boa-fé que não perceba o que ele é. E serão poucos os que, compreendendo como funciona o Estado de Direito, sabem que não basta a convicção sobre a conduta de um homem para provar um crime concreto.