Golfo Pérsico

“O Irão não é o tipo bom mas uma guerra seria catastrófica”

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Os Estados Unidos e o Irão continuam num perigoso jogo do empurra, acusando-se mutuamente de responsabilidade na escalada de tensões no Médio Oriente. O mais recente pretexto foi o ataque desta quinta-feira a dois navios no Golfo de Omã. Washington aponta o dedo a Teerão, como o fez no mês passado em ataque idêntico. De um lado e do outro, há “fações beligerantes” interessadas numa guerra mas talvez seja avisado dar voz às “cabeças mais frias”, aconselha um professor de Ciência Política

Texto Hélder Gomes

Em apenas um mês, dois ataques em pontos estratégicos no Médio Oriente, separados por pouco mais de meio milhar de quilómetros. Em ambos os casos, a mesma narrativa: os EUA acusam o Irão, o Irão nega responsabilidades. O mais recente ataque aconteceu esta quinta-feira no Golfo de Omã e teve como alvo dois navios, um transportava petróleo e o outro produtos químicos. E há ainda um detalhe intrigante: o ataque ao petroleiro japonês (o outro tinha bandeira norueguesa) aconteceu durante a visita do primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, a Teerão.

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O Presidente norte-americano, Donald Trump, insistiu esta sexta-feira que foi o Irão o responsável pelo ataque, remetendo para um vídeo divulgado pelo Exército dos EUA e que alegadamente mostra um tripulante de um barco da Marinha iraniana a remover o que aparenta ser uma mina não detonada do casco do Kokura Courageous, o navio japonês. Responsáveis da defesa dos Estados Unidos afirmam que os iranianos estavam a tentar retirar provas do seu envolvimento no ataque.

Na véspera, já o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, havia apontado o dedo ao Irão, citando dados recolhidos pelos serviços de informação e referindo “as armas utilizadas” em anteriores ataques a navios cuja autoria Washington também atribuiu a Teerão. Pompeo sublinhou ainda que nenhum dos aliados do Irão na região possui os meios para atingir “um tal nível de sofisticação”. A intenção de Teerão seria, segundo o responsável, impedir a passagem de petróleo através do estreito de Ormuz.

“ESTE NÃO É O MOMENTO PARA COMPRAR UMA GUERRA”

Fazle Chowdhury, investigador do Global Policy Institute, em Washington, não se deixa convencer. “A sofisticação de que Pompeo fala não corresponde ao sistema de defesa iraniano nem à Guarda Revolucionária Iraniana (GRI). Sim, a pequena embarcação de patrulha que surge no vídeo assemelha-se às usadas pela Marinha da GRI no Golfo nas operações de rotina que fazem naquela zona, mas não há provas contundentes como os EUA afirmam”, conta ao Expresso o investigador, que é também autor do livro “Promises of Betrayals: The History That Shaped the Iranian Shia Clerics” (2018).

“Numa altura em que o Irão está a atravessar uma grande convulsão económica, os quadros militares e os seus bolsos vazios podem atestar que este não é o momento para comprar uma guerra”, prossegue. Em resposta, “o ministro iraniano das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, acusou Israel, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos [todos aliados norte-americanos no Médio Oriente] e os próprios Estados Unidos pelo ataque”, recorda o investigador.

De resto, o chefe da diplomacia iraniana recordou a circunstância de um dos navios ser japonês e de o ataque ter acontecido enquanto Shinzo Abe estava no Irão, justamente para desenvolver esforços no sentido de aplacar as tensões entre Washington e Teerão. Em boa verdade, a agenda do primeiro-ministro nipónico não será suficiente para isentar o Irão de responsabilidades. Não o é certamente para Pompeo, para quem o ataque representa “uma clara ameaça para a paz e a segurança internacionais” e “um ataque flagrante contra a liberdade de navegação”, além da óbvia escalada das tensões entre Estados rivais naquela zona do globo. Mas Fazle Chowdhury acrescenta mais um ponto: “Isto acontece numa altura em que tanto o Presidente norte-americano como o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, estão sob investigação nos respetivos países.”

ACUSAR TEERÃO É “CONVENIENTE” PARA WASHINGTON

Outros analistas regionais aventam a hipótese de o Irão ter sido efetivamente o autor do ataque numa tentativa de ganhar margem negocial. Importa lembrar que as tensões se agudizaram nas últimas semanas, um ano depois da decisão de Trump de abandonar o acordo nuclear internacional de 2015, que permitiu o levantamento das sanções económicas ao Irão em troca da suspensão das suas atividades nucleares. No mês passado, Teerão anunciou que iria suspender alguns dos compromissos assumidos no acordo, fixando um prazo de dois meses para a negociação de novos termos após a saída unilateral dos EUA. Entretanto, Washington mobilizou um porta-aviões e bombardeiros para o Golfo Pérsico e enviou um contingente adicional de tropas para a região.

Qualificando as acusações como “alarmantes”, um porta-voz da chancelaria iraniana afirmou que acusar Teerão pelo ataque é “conveniente” para Washington. Ao lado de Shinzo Abe, o líder supremo iraniano, Ali Khamenei, recusou ainda qualquer diálogo com os EUA. Também Trump considerou ser “demasiado cedo” para se chegar a um entendimento. “Eles não estão prontos e nós também não”, sublinhou. Já Pompeo reafirmou que Washington deseja que Teerão regresse à mesa das negociações “quando chegar o momento”.

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O incidente desta quinta-feira acontece depois de, a 12 de maio, quatro petroleiros terem sido atacados no porto de Fujeira, nos Emirados Árabes Unidos. Os resultados preliminares de uma investigação multinacional, apresentados no início de junho ao Conselho de Segurança da ONU, concluíram que os ataques têm a marca de uma “operação sofisticada e coordenada”, sendo provavelmente obra de um “ator estatal”. A investigação não faz, no entanto, qualquer menção ao Irão, acusado pelos EUA de estar diretamente envolvido na sabotagem.

“UM BARRIL DE PÓLVORA À ESPERA DE EXPLODIR”

Segundo Robert Donaldson, professor de Ciência Política da Universidade de Tulsa, no estado norte-americano de Oklahoma, “a escalada no Golfo expõe as acentuadas divisões nos governos dos Estados Unidos e do Irão”. “As fações beligerantes em Teerão e em Washington parecem prontas para o conflito, mas as cabeças mais frias apelam a uma análise mais cuidadosa dos ataques e a uma aposta na diplomacia antes que a situação piore”, sintetiza ao Expresso.

O gestor de relações públicas Russell Schaffer lembra, por seu turno, que “nos últimos 40 anos, a relação entre os dois países é um barril de pólvora à espera de explodir”. “Entre os neoconservadores americanos, a guerra no Iraque foi a primeira parte de um filme, sendo o Irão a sequela que seria um sucesso de bilheteira. Lamentavelmente, vivemos num tempo em que muitos americanos têm dificuldades em acreditar no seu próprio Governo. É certo que o Irão também não é o tipo bom, mas uma guerra contra os iranianos seria catastrófica. O Exército deles não é fraco e o país é muito maior do que o Iraque”, avalia o gestor de Nova Iorque, em declarações ao Expresso.

Cerca de um quinto do petróleo consumido a nível mundial passa pelo estreito de Ormuz, a partir de produtores do Golfo como a Arábia Saudita, o maior exportador global do ouro líquido. Teerão tem ameaçado repetidamente com o bloqueio daquele estreito, um canal apertado entre as costas do Irão e de Omã, se for impedido de comercializar petróleo. Entretanto, no plano diplomático, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse esta quinta-feira ao Conselho de Segurança que o mundo não pode permitir “um grande confronto na região do Golfo”, enquanto a China e a União Europeia apelaram à contenção de ambos os lados.