Antes pelo contrário

Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

A muito trágica derrota do PCP

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A derrota do PCP é mais profunda do que parece. Porque, vista à lupa, ela fala de um partido comunista social e territorialmente acantonado. Fica em segundo lugar nos seus bastiões tradicionais (Setúbal, Évora e Beja), em terceiro apenas em Portalegre, em quarto em cinco distritos, em quinto em quatro distritos e, coisa perturbante, fica em sexto lugar, atrás do PAN, em sete distritos, sendo um deles o Porto. Só fica à frente do Bloco em Portalegre, Setúbal, Évora e Beja. E até em concelhos como o Montijo é ultrapassado pelos bloquistas.

E é mais profunda do que parece porque a CDU tende a ser beneficiada nas europeias. O PCP é o partido com maior retenção de eleitorado. Dizem os especialistas que andará pelos 90%. Por isso, nas últimas europeias teve 416 mil votos e, quando chegou, um ano depois, às legislativas, ficou-se pelos 446 mil votos, apesar do número de votantes ter aumentado 2,2 milhões. É um padrão que apenas foi especialmente exagerado há cinco anos. Retirando 1987, em que legislativas e europeias foram em simultâneo e por isso com o mesmo número de votantes, a CDU teve 14,4% nas europeias de 1989 e 8,8% nas legislativas de 1991; 11,2% nas europeias de 1994 e 8,6% nas legislativas de 1995; 10,3% nas europeias de 1999 e 9% nas legislativas do mesmo ano; 9,1% nas europeias de 2004 e 7,5% nas legislativas de 2005; 10,6% nas europeias de 2009 e 7,7% nas legislativas do mesmo ano; 12,7% nas europeias de 2014 e 8,2% nas legislativas de 2015. É infalível e seria um caso único (mas não impossível) se a CDU tivesse mais do que 6,9% nas próximas legislativas. Se seguir o padrão terá menos de 6%, o que seria uma tragédia.

A derrota do PCP é mais profunda do que parece porque 228 mil votos é algo a que os comunistas nunca se aproximaram na sua vida. Em legislativas ou europeias, a votação mais baixa foi nas eleições para o Parlamento Europeu de 2004 (309 mil votos). Só mesmo a candidatura de António Abreu em 2001 (223 mil votos) e a de Edgar Silva em 2016 (183 mil) foram piores. E são presidenciais, em que a fidelização é obviamente muito mais difícil.

João Ferreira explicou a derrota do PCP dizendo que o resultado em 2014 foi conseguido depois de um período de austeridade. Tendo o PCP participado ativamente na maioria que contribuiu para reverter esse momento difícil, a conclusão é que os comunistas crescem mais quando o povo fica pior do que quando ele próprio participa na melhoria das suas condições de vida. É uma conclusão politicamente mortífera para um partido

A derrota do PCP é mais profunda do que parece porque é a terceira consecutiva, depois de presidenciais e autárquicas. Nas presidenciais os eleitores debandaram para a candidatura de Sampaio da Nóvoa, com o perfil de democrata de esquerda que os comunistas sempre apoiaram. Uma análise cuidada das mesas de voto prova-o. Nas autárquicas as derrotas foram mais locais do que nacionais, mas o efeito foi político foi o mesmo. A tese dominante é que o PCP está a ser punido pela geringonça, a minha é a oposta: com muitos reformados e funcionários públicos, o eleitorado comunista foi especialmente beneficiado por esta maioria. E isso funcionou como o abraço do urso do PS. Ao cortar o cordão sanitário com o PS, foi mais fácil. O Bloco beneficia com a porosidade com o PS. O PCP é prejudicado. E Isto é uma tragédia para o PCP.

A derrota do PCP é mais profunda do que parece porque é acompanhada por uma profunda crise sindical. Segundo contas de 2015, a taxa de sindicalização desceu, em 34 anos, de 60% para 19%. E os sindicatos da CGTP são dos mais martirizados. Os comunistas estão a perder os outros instrumentos de intervenção social e dependem cada vez mais dos resultados eleitorais.

João Ferreira, que é um dos eurodeputados mais sólidos e articulados, explicou a derrota do PCP dizendo que o anterior resultado, em 2014, foi conseguido depois de um período de austeridade e intervenção da troika. Tendo o Partido Comunista participado ativamente na maioria que contribuiu para reverter esse momento difícil, a conclusão lógica das palavras de João Ferreira é que os comunistas crescem mais quando o povo fica pior do que quando ele participa na melhoria das suas condições de vida. É uma constatação compreensível e não obrigatoriamente maldosa, mas politicamente mortífera para um partido. Sobretudo quando os seus dirigentes têm consciência disso e nada podem fazer. E é uma tragédia para a democracia, que precisa do PCP para segurar as classes sociais intermédias que se costumam baldar para a extrema-direita.