DESCOBERTAS

Moedas africanas reforçam teoria de que os portugueses chegaram à Austrália 250 anos antes do capitão Cook

Carta do Atlas de Nicholas Vallard (1547), um dos mapas da escola francesa de Dieppe que alguns investigadores dizem representar pela primeira vez a costa noroeste da Austrália <span class="creditofoto">Foto Biblioteca Nacional da Austrália</span>

Carta do Atlas de Nicholas Vallard (1547), um dos mapas da escola francesa de Dieppe que alguns investigadores dizem representar pela primeira vez a costa noroeste da Austrália Foto Biblioteca Nacional da Austrália

Moedas de cobre do Sultanato de Quíloa, na costa oriental de África, teriam sido transportadas no século XVI através do oceano Índico por navegadores portugueses até às Ilhas Wessel, no norte da Austrália

Texto Virgílio Azevedo

Uma moeda de cobre encontrada por arqueólogos nas areias de uma praia nas Ilhas Wessel, no norte da Austrália, pode ser uma prova para reforçar a teoria de que os portugueses alcançaram este continente 250 anos antes do capitão James Cook, que desembarcou pela primeira vez na Austrália em 1770, em Botany Bay (costa leste, perto de Sydney).

Segundo o jornal britânico “MailOnline”, a moeda é originária de Quíloa, na Tanzânia (costa oriental de África), a mais de 10.000 quilómetros de distância, terá quase mil anos, a sua superfície está gasta pela erosão e faz parte de um conjunto de seis moedas encontradas no mesmo local que poderão ser as mais antigas de sempre descobertas na Austrália. Um das explicações avançadas pelos arqueólogos é que os navegadores portugueses, que invadiram o porto de Quíloa em 1505, deixaram as moedas na praia numa das suas viagens pela região do Sudeste Asiático.

Com efeito, chegaram em 1515 à ilha de Timor, “a mais vizinha da Austrália, de que dista apenas 334 milhas náuticas (619 quilómetros) em linha reta, ou seja, dois dias de viagem com vento de feição”, explica ao Expresso o historiador Luís Filipe Thomaz, considerado o maior orientalista português. Por isso, os portugueses poderiam ter alcançado a Austrália poucos anos depois de terem pisado Timor, tornando-se provavelmente os primeiros europeus a visitarem o continente. “Isto significa também que estavam lá cerca de 250 anos antes de o capitão James Cook reclamar a Austrália para a soberania britânica”, sublinha o “MailOnline”.

O arqueólogo Mike Hermes, que descobriu a moeda de cobre, contou ao jornal britânico “The Guardian” que as Ilhas Wessel são o único local fora de Quíloa e da Península Arábica onde estas moedas foram encontradas. Hermes integra os Past Masters, um grupo de historiadores, arqueólogos, antropólogos, numismatas, geocronologistas e outros especialistas que investigam anomalias históricas na Austrália. Segundo os Past Masters, as cinco moedas já encontradas nas Ilhas Wessel foram produzidas entre os séculos X e XIV. “Se a moeda for de Quíloa, isso poderia mudar tudo” sobre a história da descoberta da Austrália, considera o arqueólogo.

Em 1944 um operador de radar da Força Aérea Real da Austrália, Maurie Isenberg, já tinha encontrado cinco moedas de Quíloa e quatro moedas do século XVII da Companhia Holandesa da Índia Oriental na mesma zona. As moedas estiveram guardadas e só foram doadas ao Powerhouse Museum de Sydney em 1983. E desde então começou um onda de especulação à volta da hipótese de Portugal ter sido a primeira potência europeia a alcançar a Austrália, um conceito inteiramente novo na história do país. Hoje, os investigadores sabem que no século XVI estava bem estabelecida uma rota marítima no oceano Índico que partia do Sultanato de Quíloa, na costa ocidental de África, e passava pelo Omã (Península Arábica), Índia, Malásia e Indonésia. “E uma pintura rupestre descoberta nas Ilhas Wessel inclui uma imagem que parece mostrar um navio europeu”, recorda o “MailOnline”.

Retrato oficial do capitão James Cook, que desembarcou pela primeira vez na Austrália em 1770, em Botany Bay (costa leste, perto de Sydney, na Nova Gales do Sul) <span class="creditofoto">Foto National Maritime Museum (Greenwich, Reino Unido)</span>

Retrato oficial do capitão James Cook, que desembarcou pela primeira vez na Austrália em 1770, em Botany Bay (costa leste, perto de Sydney, na Nova Gales do Sul) Foto National Maritime Museum (Greenwich, Reino Unido)

O historiador Luís Filipe Thomaz, investigador da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa, constata que “o tipo de escrita das moedas parece semelhante aos das moedas dos sultanatos de Samatra, como Pacém e Achém, mas creio que não cunharam moeda em cobre, só umas moedas de ouro chamadas dramas, dracmas em árabe e derham em malaio. Nesse caso não serão dos séculos X ou XI mas dos séculos XIII a XVI”. Filipe Thomaz admite que “as moedas tanto podem ter sido levadas para a Austrália por portugueses como por mercadores nativos”. Os portugueses “frequentaram Timor pelo menos a partir da viagem de Jorge Fogaça em 1516, a primeira documentada. Mas em 1521, pelas Ordenações da Índia, o sândalo de Timor foi retirado da lista dos produtos reservados ao monopólio régio e o comércio de Timor abandonado a mercadores privados de que praticamente nada se sabe”.

O historiador recorda que “em finais do século XVI, Manuel Godinho de Erédia, para convencer o vice-rei da Índia a financiar-lhe uma expedição à Terra Austral que ficava a sul de Timor, que identificava como Pulo Mas (em malaio Pulau Emas, a lendária Ilha do Ouro), aduz três ou quatro testemunhos de avistamentos dessa terra, entre os quais afirma: ‘A esta Java Maior (nome que dessa vez dá à Terra Austral) aportou Francisco de Resende de Malaca em um junco desgarrado de Timor’. Mas infelizmente não dá a data”.

Quando a Austrália era “Java Maior”

Os mapas da escola francesa de Dieppe, criada por João Afonso, piloto algarvio que se pôs ao serviço da França, desenhavam a sul de Java e Timor um continente, geralmente designado por “Java Maior” ou “Jave la Grande” (ver mapa), em que a toponímia aparece em boa parte em português, “o que mostra que foram copiados de qualquer mapa português desconhecido ou de um protótipo desenhado pelo próprio João Afonso”, esclarece Filipe Thomaz. “Este diz num dos seus dois livros de cosmografia que ‘a Java Menor’ (isto é, a ilha de Java) é ilha, mas a ‘Java Maior’ (o continente austral) é terra-firme e eu a naveguei’”. A partida de João Afonso para a sua viagem é mencionada numa carta de 1533 de D. João III (que estava em Évora) ao Conde da Castanheira, que em Lisboa se ocupava das frotas da Índia.

“Manuel Godinho de Erédia”, prossegue Filipe Thomaz, “aduz também o testemunho de pescadores da ilha das Flores e de um navio pertencente ao príncipe de Balambuão (Blambangan, em Java oriental) que terão avistado a Terra Austral, pelo que, além de eventuais avistamentos ou desembarques por portugueses, havia também testemunho de terceiros, o que estimulava a curiosidade para os verificar”.

Mas o historiador do Oriente insiste que “quase nada se sabe sobre Timor e vizinhanças antes do estabelecimento dos primeiros missionários em Solor (1561-62) e, sobretudo, do estabelecimento de Frei Cristóvão Rangel em Timor em 1633”. O protetorado português sobre alguns reinos da costa “data de 1642 e a presença de um governador data de 1702. E só a partir daí abunda documentação sobre o que se passou”.

A expedição de Cristóvão de Mendonça de 1522

A atribuição da descoberta europeia da Austrália ao navegador português Cristóvão de Mendonça em 1522, foi avançada em 1977 pelo historiador australiano Kenneth McIntyre no seu livro “A descoberta secreta da Austrália. Os empreendimentos portugueses 200 anos antes do capitão Cook”. E mais tarde foi reiterada em 2007 pelo jornalista do mesmo país Peter Trickett, no seu livro “Para além do Capricórnio”. Mas como assinala Luís Filipe Thomaz, a viagem de Cristóvão de Mendonça “não é confirmada por nenhuma crónica ou documento português”.

O investigador das universidades Nova de Lisboa e Católica Portuguesa defende, por isso, que “a representação da Terra Austral nas cartas do século XVI deve resultar de reais avistamentos do continente australiano, mas estes não se podem atribuir a nenhuma expedição oficial”, antes a incursões piscatórias dos habitantes da ilha das Flores e “a transvios fortuitos de marinheiros da Insulíndia, de navios espanhóis à vinda do Estreito de Magalhães ou de portugueses velejando em torno de Timor”.