A tempo e a desmodo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Porque é que direita e esquerda se calam perante Zuckerberg?

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Sempre critiquei o Facebook, a Google e afins, sempre critiquei este capitalismo internético por várias razões e ficava espantado com a boa imprensa dos Zuckerberg. Ficava e fico: a maré ainda não virou por completo. Então porque é que o “meio” jornalístico e intelectual demorou mais de uma década a reagir? John Steinbeck ajuda na resposta.

Qual é a relação entre um romance com quase cem anos, “As Vinhas da Ira”, e o atual capitalismo? Se atualizarmos o tipo de economia que aparece no retrato (do fazendeiro de algodão para o fazendeiro digital), o romance de Steinbeck é um bom retrato da devastação económica e moral do monopólio. Apesar da óbvia tração socialista, o romance de Steinbeck expressa uma pulsão humana universal e atemporal: todos os homens querem um pedaço de terra, todos os homens querem a sua propriedade privada para morar (casa) e para ganhar a vida (a sua quinta ou oficina). Este é, de resto, um dos direitos naturais do Homem, que pode ser destruído pelo Estado mas também pelo mercado. Ao longo do livro, Steinbeck descreve a destruição das pequenas propriedades às mãos dos grandes fazendeiros que passam a ser donos de estados inteiros.

Zuckerberg é um fazendeiro como aqueles que Steinbeck critica</span>

Zuckerberg é um fazendeiro como aqueles que Steinbeck critica

Olhe-se agora para o efeito económico do capitalismo à Facebook e à Google. Em primeiro lugar, criou-se uma economia profundamente desigual que não partilha a riqueza, até porque emprega uma percentagem reduzida de pessoas. Em segundo lugar, ocorreu uma esmagadora concentração monopolista. Ao início, dizia-se que a internet ia ser o espaço da liberdade e do pluralismo. Na verdade é cada vez mais o monopólio de Facebook e Google, duas empresas, duas cabeças. Zuckerberg é um fazendeiro como os outros. Esta concentração de poder é um problema para a liberdade económica, política e intelectual.

Porque é que a esquerda não ataca Zuckerberg? Porque já não lê Steinbeck. A esquerda deixou a maioria pobre e abraçou as minorias tribais. Por outro lado, o hipster “liberal” é muito dado ao fetichismo da mercadoria, o meu iPhone, o meu mural! Porque é que a direita não ataca Zuckerberg? Porque deixou de pensar em termos políticos e morais, deixou de pensar em termos de comunidade e de república, fixando-se apenas no mercado. Ora, a concentração de poder é negativa na política e na economia: a direita não pode criticar o excesso de poder na política e calar-se em relação à concentração de poder na economia. A direita não pode fechar aos olhos à pulsão natural e conservadora que alimenta, apesar de tudo, “As Vinhas da Ira”: todos os homens querem a sua propriedade privada, o seu ganha-pão, a sua liberdade em relação a mastodontes políticos e económicos.