Estudo

Quatro remédios para o sistema de pensões em Portugal (e são todos amargos)

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Foto Marcos Borga

Aumentar a Taxa Social Única a cargo de trabalhadores e patrões; reduzir o valor das futuras pensões; subir a idade da reforma e da reforma antecipada em três anos; e adotar o modelo sueco para as pensões são as alternativas apontadas por um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos para melhorar a sustentabilidade financeira de longo prazo da Segurança Social

Texto Sónia M. Lourenço

O problema está há muito diagnosticado. Com o envelhecimento populacional a ditar uma redução progressiva do número de trabalhadores no ativo e um aumento do número de reformados, o sistema de pensões português vai enfrentar um problema de sustentabilidade financeira a médio prazo, já que são as contribuições de quem está a trabalhar que financia as pensões em pagamento. E, por isso, é preciso, encontrar alternativas que reforcem essa viabilidade financeira.

O alerta foi renovado esta sexta-feira, com a publicação do estudo “Sustentabilidade do sistema de pensões português”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenado por Amílcar Moreira. O regime previdencial da Segurança Social “deverá começar a registar défices crónicos a partir de 2027”, aponta o estudo. Uma previsão alinhada com a do Governo. O último Relatório sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social, que acompanhava o relatório da proposta do Orçamento do Estado para 2019, também apontava para 2027 a entrada do sistema no vermelho.

Nessa altura será preciso recorrer ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), uma almofada criada - e alimentada - precisamente para esta eventualidade.

O problema é que segundo o estudo da FFMS, mesmo recorrendo a transferências deste fundo, só será possível prolongar a sustentabilidade financeira do regime previdencial da Segurança Social em mais 12 anos, ou seja, até 2039. Já o Governo prevê que o fundo só se esgota em 2048.

Mais cedo, ou mais tarde - consoante as previsões - o problema mantém-se. Uma vez esgotado o FEFSS, serão necessárias transferências do Orçamento do Estado para cobrir os défices nas pensões.

Neste cenário, o estudo avalia quatro alternativas que “potencialmente, poderão melhorar a sustentabilidade financeira do sistema de pensões português, a longo prazo”. O problema é que todos estes remédios são 'amargos', ou seja, implicam sacrifícios, nalguns casos duros. E a cura não está garantida.

A primeira dessas propostas é aumentar as contribuições para a Segurança Social. O cenário estudado é um aumento gradual, a partir de 2025, das taxas contributivas entre 0,5 pontos percentuais e 2,5 pontos percentuais, tanto a cargo dos trabalhadores, como dos patrões. Este caminho, na prática, significa aumentar a Taxa Social Única, uma proposta que encontrou forte oposição pública durante os anos da troika - dando origem a alguma das maiores manifestações que Portugal já presenciou.

A segunda é reduzir o valor das futuras pensões, através de cortes graduais (entre 0,1 e 0,5 pontos percentuais), a partir de 2025, na taxa de formação anual usada para calcular o valor das pensões.

A terceira alternativa é aumentar a idade da reforma na Segurança Social e na Caixa Geral de Aposentações, subindo a idade de acesso à pensão de velhice, bem como da reforma antecipada em três anos, em 2025. Desta forma, nesse ano, a idade de acesso à pensão de velhice, que está nos 66 anos e cinco meses, subiria para mais de 69 anos. Já a idade de acesso à reforma antecipada, fixada nos 60 anos, subiria para os 63 anos.

Recorde-se que o sistema português já prevê um aumento progressivo da idade normal de reforma, que está indexada aos ganhos alcançados na esperança de vida. Contudo, o aumento previsto é muito mais suave do que propõe, agora, este estudo. Segundo os cálculos de Jorge Bravo, economista e professor universitário, assumindo que se mantém o ritmo de evolução da esperança de vida, a idade da reforma em Portugal, com as atuais regras, vai subir para 66 anos e 10 meses em 2025, chegando aos 68 anos e sete meses em 2050.

Por fim, os autores também analisam uma reforma mais ambiciosa, que implicaria a introdução de um novo modelo para as pensões, em linha com o sistema sueco (com uma pensão base de natureza contributiva e financiada em regime de repartição; um plano de pensão privado premium obrigatório e financiado em regime de capitalização; e uma pensão mínima garantida, sujeita a condição de recursos e financiada pelos impostos).

Mudar para o modelo sueco tem custos sociais elevados

Resultados? O estudo indica que “a introdução de um sistema de pensões análogo ao sueco propiciaria uma melhoria vincada da situação financeira do Regime Previdencial da Segurança Social, sendo de destacar uma ampla redução dos défices deste regime”, salientam os autores.

O problema, como reconhecem, são os custos sociais elevados. “O sucesso do novo sistema na melhoria da situação financeira do sistema de pensões seria, todavia, conseguido à custa de uma redução considerável da adequação do valor das pensões e, sobretudo, da capacidade do sistema para proteger os pensionistas de uma quebra abrupta de rendimentos na passagem à reforma”, lê-se no documento.

Saltando esta carta do baralho, de entre as restantes três, “o aumento

da idade de reforma é aquele que parece oferecer um maior potencial para melhorar a sustentabilidade financeira do sistema de pensões”, defendem os autores. Isto porque, aumentar a idade de acesso à pensão de velhice e pensões antecipadas em três anos “permitiria adiar o aparecimento de défices crónicos no Regime Previdencial da Segurança Social para além de 2070”, estimam.

Atenção. Este impacto positivo “depende da capacidade da economia para manter os trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho”, reconhecem os autores do documento. Caso contrário, “o aumento da idade de reforma poderá expor os trabalhadores mais velhos a períodos de inatividade forçada, reduzindo o universo de potenciais contribuintes para o sistema”, alertam. E apontam ainda outro fator a ter em conta: “A absorção desta oferta adicional de mão-de-obra poderá desencadear pressões para reduzir os salários na economia, diminuindo então as contribuições para o sistema”. Uma evolução que poderia pôr em causa o impacto positivo para a sustentabilidade financeira do sistema, decorrente do aumento da idade da reforma. Contudo, dado que o modelo de previsão usado nesta investigação (DYNAPOR) não está equipado para capturar esse esse tipo de dinâmica, “decidimos assumir que este cenário [de aumento da idade da reforma] não terá impactos substanciais no emprego ou na formação de salários na economia”, indicam os autores. Uma hipótese que poderá não verificar-se na realidade.

Quanto ao impacto social, o aumento de três anos na idade de acesso às pensões da Segurança Social e da CGA (incluindo nas pensões antecipadas), “implicaria uma redução considerável na adequação da pensão de velhice”, afirma o estudo. Assim, o rácio de benefício, que compara o valor médio das pensões no sistema com o valor médio dos salários passaria de 0,45 em 20202, para apenas 0,33 em 2070. Isto quando, a manterem-se as as regras em vigor, a queda prevista neste indicador é mais moderada, com o rácio a ficar nos 0,39 em 2070, estima o estudo.

Além disso, este aumento “estaria a associado a uma taxa de pobreza entre os pensionistas (com 65 anos ou mais) de quase 19%” em 2070, valor que compara com 9,5% em 2020. Caso se mantenham as atuais regras do sistema, a taxa de pobreza entre os pensionistas com 65 e mais anos também sobe, mas menos, ficando pelos 15,4% em 2070, preveem os autores.

Já a taxa de substituição, que relaciona o valor inicial da pensão com o último salário dos futuros reformados, sairia reforçada. “O aumento da idade de reforma, ao forçar um prolongamento da carreira contributiva dos trabalhadores, redundaria em taxas de substituição mais elevadas”. Assim, “tomando mais uma vez por referência o último ano da nossa simulação

(2070), um aumento de três anos na idade de reforma geraria um incremento de aproximadamente 12 pontos percentuais da taxa de substituição bruta (média) da pensão de velhice, relativamente ao valor do nosso cenário de referência”. Ou seja, os pensionistas da Segurança Social poderiam vir a reformar-se com 80% do último salário (valores brutos), em vez de 68%.

Governo afasta agravamento da idade da reforma

Questionado pelos jornalistas sobre o estudo da FFMS, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, não deixou margem para dúvidas: “Aumentar a idade da reforma para os 69 anos não é exequível nem eficaz”, afirmou, sustentando que uma mudança desta dimensão num espaço de tempo tão curto “contraria as legítimas expectativas dos cidadãos”. O ministro apontou ainda que não há garantias de que as pessoas consigam estar empregadas aos 68 anos ou 69 anos, o que colocaria em causa o impacto positivo estimado pelo documento. Lembrando que desde reforma da Segurança Social de 2007, a idade legal de acesso à reforma acompanha a evolução da esperança média de vida, o ministro do Trabalho sublinhou que o Governo não tem quaisquer planos para alterar esta solução.

“Há muitas propostas nesse estudo que serão avaliadas e algumas serão concretizáveis. Agora, quando se coloca a possibilidade de entrar nos caminhos da individualização da proteção, com o célebre plafonamento ou capitalização individual, esse não é o caminho que o Governo escolhe”, vincou Vieira da Silva.

Do lado dos partidos políticos, PCP, BE e PS recusam qualquer aumento da idade da reforma. Já o PSD considera que o estudo revela que o sistema previdencial é frágil, acusando o Governo e os partidos à esquerda de não querem que os portugueses saibam qual o verdadeiro estado das contas da Segurança Social. Por fim, o CDS-PP recordou que já apresentou propostas para o sistema de pensões, como a capitalização em regime voluntário e complementar, e apontou críticas à atual maioria, por fechar os olhos a problemas estruturais, por razões ideológicas.