Entrevista

Joaquim Torra, presidente do governo da Catalunha

“A luta pela independência da Catalunha é uma luta pelos direitos civis”

Joaquim Torra assume-se como 131º presidente da Catalunha

Joaquim Torra assume-se como 131º presidente da Catalunha

Ficar sem emprego mudou-lhe a vida. Deixou para trás a área dos seguros onde trabalhou 20 anos, abriu uma editora vocacionada para o jornalismo literário, e deu atenção à política. Joaquim Torra, 56 anos, presidente da Catalunha, de laço amarelo na lapela, conversou com o Expresso sobre as convicções republicanas que dão corpo à luta pelo direito à autodeterminação da Catalunha e os seus heróis ideológicos

Texto Manuela Goucha Soares Fotos Nuno Botelho

Um violoncelista, um escritor, e o político catalão que a “14 de abril de 1931 proclamou a República na Catalunha, horas antes desta ser anunciada em Madrid”, são os combatentes pela liberdade que Joaquim Torra, presidente da Catalunha, mais admira. A liderança de Francesc Macià durou apenas três dias, mas isso não impede que Torra o invoque como um símbolo de republicanismo e luta contra o regime monárquico: “Sou o 131º presidente da Catalunha” disse em entrevista ao Expresso, de laço amarelo ao peito – símbolo da luta pela liberdade dos presos políticos.

Torra veio a Lisboa participar numa conferência sobre o direito à autodeterminação da Catalunha . “E, também, para agradecer ao Parlamento português. Faz agora um ano que o Parlamento aprovou uma resolução em que pedia a Espanha que fosse encontrada uma solução política para a Catalunha que respeitasse a vontade dos povos [29 de março de 2018]”. Joaquim Torra respondeu em espanhol às perguntas em portunhol.

O Governo português não reconhece o direito à autodeterminação da Catalunha, que é a grande causa da sua luta. O que representa esta viagem a Portugal para além da conferência em que participa hoje no ISCTE e dos contactos com o Parlamento AQUI?

Vir a Portugal é vir a um país de liberdade, um país que ama a liberdade e que reconhece o direito à autodeterminação dos povos na sua Constituição [artº 7 parágrafo 3]. Sentimo-nos muito próximos do povo português, de todos os povos do Estado espanhol, e queremos construir uma península ibérica respeitando a vontade dos povos. Mas entendemos o que é a diplomacia entre Estados.

As sondagens indicam que a população da Catalunha está muito dividida sobre o tema da autodeterminação. Muitos querem continuar em Espanha. Sente-se presidente de um território muito dividido?

A par destas sondagens há outras que dizem que existem três grandes consensos na sociedade catalã. Cerca de 80% da sociedade catalã não reconhecem a monarquia espanhola como instituição própria.

Esses catalães querem a República?

Querem uma forma de governo republicana. Em segundo lugar,[esses 80%] não estão a favor da repressão policial e querem uma solução política. Em terceiro, querem que se realize um referendo sobre a autodeterminação da Catalunha.

Diz que são 80%?

Sim, 80%. Tanto os partidários do Sim à independência como os partidários do Não à independência querem resolver este conflito politicamente, como se deve fazer na Europa ocidental e numa Europa democrática.

O que espera das eleições legislativas que vão realizar-se a 28 de abril?

Espero que o independentismo saia reforçado destas eleições, que tenhamos a força suficiente para ir ao Congresso de Deputados [parlamento] espanhol, e voltar a colocar na agenda o que durante estes meses temos apresentado ao Governo de Pedro Sánchez – que é [saber] como a Catalunha vai exercer o seu direito à autodeterminação, e ter um relator que pode ir dando noticias de como avançam as negociações e encontrar uma solução política para um conflito que é político.

Acredita que esse processo vai ser mais fácil depois das eleições de 28 de abril?

Nós vamos voltar [depois das eleições] com esta proposta, que é o que sempre temos pedido. Temos os nossos companheiros na prisão e no exílio há mais de um ano e meio. A situação na Catalunha tem grande complexidade. Eu mesmo, sou alvo de uma queixa da justiça (fiscalia) por manter um cartaz na Generalitat. Querem inabilitar-me como presidente da Generalitat por manter esse cartaz... Mas há uma sensação generalizada na cidadania europeia sobre o facto dos nossos direitos estarem a ser postos em causa. Primeiro foi o Parlamento de Portugal a aprovar um voto de apoio, depois a Amnistia Internacional e a Human Right Watch. Hoje sabemos que a luta pela independência da Catalunha é uma luta pelos direitos civis, incluindo o direito à autodeterminação.

Acredita que vão conseguir mudar a Constituição de Espanha?

Somos uma minoria nacional dentro do Estado espanhol, não vamos ter força para mudar a Constituição. Recordo que Portugal poderia estar no lugar da Catalunha; em 1640 Portugal e a Catalunha lutaram pela independência. Imaginem que [o desfecho] tinha sido ao contrário: que a Catalunha ficava independente e Portugal [sob a alçada de Madrid]. Não teriam os portugueses direito a decidir o seu futuro? Esta é a pergunta [que deixo].

Somos uma minoria nacional dentro do Estado espanhol, não vamos ter força para mudar a Constituição

O presidente efetivo da Catalunha é o senhor, ou está sempre em articulação com Puigdemont?

Eu sou o 131º presidente da Generalitat da Catalunha; esta instituição remonta ao século XIV e consideramo-nos herdeiros do tempo em que a Catalunha era um Estado independente. Naturalmente que falo com Puigdemont – que é o líder do independentismo – como falo com outros líderes políticos e companheiros que estão na prisão.

Imaginem que [o desfecho] tinha sido ao contrário: que a Catalunha ficava independente e Portugal [sob a alçada de Madrid]

Qual é a figura da Catalunha que mais o inspira?

Pablo Casals; um músico extraordinário [violoncelista que morreu em 1973] que foi capaz de abandonar a música para denunciar uma injustiça que era o fascismo e o franquismo na Catalunha e em Espanha. Casals deixou de tocar para denunciar esta situação perante as democracias ocidentais. Era um homem que sempre defendeu a paz e a liberdade dos povos. Uma das figuras que mais amo na Catalunha. Como fui editor, tive uma editora especializada em jornalismo literário, a nível internacional, quero referir o escritor Stefan Zweig pelos livros extraordinários que escreveu, biografias e história, e pela posição muito crítica que teve em relação ao nazismo. Teve de exilar-se e suicidou-se no Brasil.

E o político catalão que mais admira?

O presidente Macià que a 14 de abril de 1931 proclamou a República catalã [na varanda da Generalitat]. É o presidente de quem me sinto mais próximo.

Francesc Macià era republicano. Também é?

Sim, sou republicano (riso) creio que se nota... a República de 1931 integrou-se logo na República espanhola...

É o representante do Estado espanhol na Catalunha. Como é que concilia essa função com o facto de defender o direito à autodeterminação da Catalunha?

Acima de tudo sou o presidente que o parlamento da Catalunha votou para ser presidente do governo. E a promessa que fiz foi de prestar lealdade às decisões tomadas pelo parlamento da Catalunha, que é aí que reside a soberania da Catalunha.