A tempo e a desmodo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Não somos filhos de Churchill

Contactos do autor

Devido à campanha do “Expresso”, vi finalmente o filme “A Hora mais Negra”, um retrato dos dias mais difíceis de Churchill logo no início da II Guerra. Como todas as ficções históricas, o filme acaba por criar mitologias que não casam bem com a realidade. Por exemplo, fica a ideia de que Londres e Washington eram aliadas perfeitas e a desejar o mesmo para a ordem civilizada. Não é verdade. Num determinado ponto, Churchill era mais parecido com Estaline, o aliado longínquo, do que com Roosevelt, o aliado próximo.

Nos concílios entre os três grandes, Churchill, Estaline e Roosevelt, era claro que o Presidente americano queria algo diferente do primeiro-ministro britânico. Churchill queria a manutenção do século XIX, isto é, a permanência dos impérios europeus em África e Ásia e as esferas de influência exclusivas. Estaline defendia o mesmo aplicado à Europa: os países da Europa de Leste deviam ser colónias de facto de Moscovo. Contra estas intenções, Roosevelt começou a impor a ideia que acabaria por triunfar: uma ordem liberal sem impérios, sem áreas exclusivas. As nações seriam livres e independentes, abriam as portas a todos e não apenas à sua “metrópole”. O mundo seria liderado por instituições (ONU, Banco Mundial, FMI) e não por impérios.

Como salientam alguns historiadores (Skidelsky, Dallas, por exemplo), até podemos dizer que um dos objetivos de Roosevelt era a exclusão do império britânico da mesa dos grandes poderes. Não se tratava de uma visão antibritânica, mas antichurchilliana, isto é, anti-império oitocentista. Roosevelt e Churchill lutaram por uma ordem civilizada contra o caos nazi, mas tinham entendimentos distintos da palavra “civilização”. O entendimento americano, como se sabe, acabou por triunfar. Os europeus, seguindo a mundividência churchilliana, continuaram a insistir na velha máxima até à derrota no Canal do Suez (1956). Não por acaso, a Europa comunitária começou no ano seguinte (1957). Não somos filhos de Churchill.