O furacão Draghi. Bolsas dão um trambolhão (uma tragédia) e juros caem a pique (uma bênção)

Draghi deixa as mãos atadas ao seu sucessor a partir de 1 de novembro. Bolsas não gostaram, mas ao mercado da dívida soberana agradou <span class="creditofoto">Foto D.R.</span>

Draghi deixa as mãos atadas ao seu sucessor a partir de 1 de novembro. Bolsas não gostaram, mas ao mercado da dívida soberana agradou Foto D.R.

Saiba quem está a esfregar as mãos com as decisões da reunião do Banco Central Europeu esta semana e quem levou um soco nos mercados

Texto Jorge Nascimento Rodrigues

Uma vez mais as decisões de política monetária tomadas pelo Banco Central Europeu (BCE), e justificadas em detalhe, pelo seu presidente, o italiano Mario Draghi na tradicional conferência de imprensa de uma hora em Frankfurt, não agradaram a gregos e troianos. As reações nos mercados às medidas anunciadas na quinta-feira foram as mais díspares. O contraste entre o mercado acionista e o da dívida soberana foi flagrante.

Nas bolsas da zona euro, o índice global caiu 1,2% na quinta-feira e continuava no vermelho esta sexta-feira. Se ontem as bolsas mais afetadas foram Viena e Lisboa, hoje estão a ser Madrid e Milão. O sector bancário da zona euro foi particularmente fustigado, com o índice dos 600 bancos cotados a perder 2% na quinta-feira e com um recuo de 1,9% esta sexta-feira ao início da tarde.

Bancos não gostaram

O BCE anunciou que não mexe nas taxas diretoras, pelo menos, até final deste ano, o que significa que não é expectável um desagravamento da taxa negativa de remuneração dos depósitos dos bancos nos cofres do BCE e dos bancos centrais nacionais, que está em -0,4% e é altamente penalizadora para o sistema bancário. “A curto prazo, não há nenhuma possibilidade de acabar com a política de taxa negativa”, refere-nos Eric Dor, diretor de Estudos Económicos na Universidade Católica de Lille, em França. A equipa de investigação do banco alemão Commerzbank prevê inclusive que não haja mexida nas taxas diretoras durante 2020, segundo uma nota enviada esta sexta-feira aos clientes.

Para contrabalançar, o BCE anunciou que, a partir de setembro, e até março de 2021, lança uma terceira série da linha de financiamento barato que designa por TLTRO (na sigla em inglês para operações de refinanciamento de prazo alargado direcionado). Mas o financiamento é apenas a dois e não a quatro anos (como ocorreu nas duas séries anteriores abertas em setembro de 2014 e junho de 2016). Dois anos soube a pouco. “A medida não foi bem recebida nos mercados porque foi considerada insuficiente”, salienta Ricardo Cabral, professor da Universidade da Madeira.

Previsões pessimistas desagradam

As bolsas também não gostaram do pessimismo das novas previsões económicas divulgadas pelo BCE e que significaram, sobretudo em termos de crescimento económico na zona euro, uma revisão “brutal” (nas palavras dos economistas ouvidos pelo Financial Times) em baixa do que se antevia no ano passado.

A atividade económica na zona euro está a “moderar consideravelmente”, nas palavras de Draghi, a ponto do crescimento em 2019 ir desacelerar significativamente de 1,9% para 1,1%. A culpa é da “incerteza generalizada”, disse o italiano, um saco largo onde cabem múltiplas incertezas (geopolíticas, guerra comercial e ameaças de protecionismo, concretização do Brexit, evolução política na zona euro, grau de abrandamento na China, vulnerabilidades nas economias emergentes, perca de confiança dos agentes económicos, etc.). Ora ao mercado bolsista, incerteza e pessimismo é coisa que não agrada de todo.

Juros em mínimos históricos em Portugal

Pelo contrário, no mercado secundário da dívida soberana, os juros caíram a pique depois de conhecidas as decisões do BCE. Neste caso, a queda é benigna, fica mais barato o endividamento.

Porque razão os juros desceram? Porque o Conselho do banco central aprovou, por unanimidade, dar a garantia ao mercado de que não mexe nas atuais taxas diretoras, que estão em mínimos históricos, pelo menos até ao final do ano. Em dezembro, a garantia era apenas que não haveria mexidas até “durante o verão”. ‘Falcões’ e ‘pombas’ dentro do conselho chegaram a um consenso, que significa que os instrumentos convencionais da política monetária (as taxas) vão continuar a funcionar como estímulos.

O aperto monetário continua adiado. “Foi mais uma confirmação que o antigo plano do BCE de normalização da política monetária a partir de 2019, com o fim do programa de expansão quantitativa em dezembro passado, está em stand-by ou até mesmo em reversão”, diz Ricardo Cabral. Em certa medida, Draghi, que sai de presidente no final de outubro, convenceu o conselho a “atar as mãos” ao sucessor do italiano no leme do BCE.

Leilão de dívida na quarta-feira pode bater novo recorde

No caso de Portugal, os juros (yields) das Obrigações do Tesouro a 10 anos registaram na quinta-feira mínimos históricos abaixo de 1,4%. Ao início da tarde desta sexta-feira situavam-se em 1,36%. Em relação aos títulos alemães, que servem de referência na zona euro, os juros caíram para metade na quinta-feira, desceram de 0,13% para 0,06%, um patamar em que se mantém hoje. “Este é um contexto benigno para a divida pública portuguesa, que continuará a ser relativamente atrativa face a outras aplicações e também porque a liquidez deverá continuar abundante, permitindo colocações a boas taxas”, sublinha Filipe Garcia, presidente da consultora Informação de Mercados Financeiros. “Todos aqueles que apostavam que as taxas de juro iriam subir estavam errados. O BCE não irá normalizar a política monetária tão cedo”, conclui, por seu lado, Ricardo Cabral.

São boas notícias para o Tesouro português que regressa ao mercado obrigacionista na próxima quarta-feira com dois leilões de dívida a 7 e 10 anos, visando colocar entre 1000 e 1250 milhões de euros. Com os juros no mercado secundário, a 10 anos, abaixo de 1,4%, O IGCP poderá voltar a conseguir a proeza de se financiar à taxa mais baixa de sempre. No último leilão da obrigação a 10 anos, realizado a 13 de fevereiro, o Estado pagou 1,568%.