Acórdão

“O crime de violência doméstica merece censura e uma Justiça ágil. Mas não basta a acusação”. E Ângelo foi de novo absolvido

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Sem provas e sem depoimentos credíveis, decide-se a favor do réu. Foi com este argumento que o Tribunal de Viseu voltou a absolver Ângelo Loureiro do crime de violência doméstica, credibilizando o seu depoimento e desvalorizando o da alegada vítima. O advogado desta vai voltar a recorrer

Texto Amadeu Araújo

O Tribunal de Viseu voltou a absolver, esta sexta-feira à tarde, Ângelo Loureiro do crime de violência doméstica, credibilizando o seu depoimento e desvalorizando o da alegada vítima. Mas o juiz Carlos Oliveira cumpriu a determinação do Tribunal da Relação de Coimbra, que o mandou elaborar nova decisão, com “fundamentação da decisão de facto”. Ou seja, explicar porque valorizou o depoimento do arguido e rejeitou o da queixosa aquando do primeiro julgamento. Foi o que o juiz fez, com a presença do arguido na sala, ao longo de uma hora, durante a qual perorou sobre os factos em questão.

Ângelo e Susana casaram-se no dia 24 de agosto de 2002 e até 2014 “nunca houve qualquer queixa de violência doméstica. Sucederam-se discussões e nem amigos, médicos ou família ouviram quaisquer relatos ou queixas de violência doméstica”. Em julho de 2014, Susana saiu de casa e apresentou queixa na GNR, por violência doméstica. Na casa do casal estavam duas armas, cuja posse o arguido confirmou.

O caso chegou a tribunal e, numa primeira sentença, o arguido foi absolvido. Depois de recurso, a decisão foi confirmada nesta segunda sentença, lida esta sexta-feira à tarde.

O juiz lembrou que todas as alegações de Susana “não se mostraram coerentes, apresentaram contradições e não foram juntos outros elementos de prova”. Recordou que a queixosa foi acompanhada por dois médicos, que “não identificaram quaisquer sinais de violência doméstica”. Aos médicos, um psiquiatra e outro de família, “nunca a assistente apresentou qualquer queixa, ou sequer exibiu sinais de agressão”. Considerando que o juiz deve manter “uma postura de equidistância e de igualdade”, disse que não pode a Justiça “conceder maior relevo às vítimas do que ao arguido que beneficia de presunção de inocência”. O juiz Carlos Oliveira afirmou ainda que “todo o tipo de violência doméstica merece censura” e deve ser “erradicada”, mas que não pode a Justiça “condenar um eventual inocente”.

Mostrando “concordância” com a decisão da Relação, que mandou fundamentar melhor a decisão, o juiz elencou duas dezenas de contradições no depoimento da queixosa, que, disse, “não se mostrou sério, credível”. Pelo que o tribunal voltou a dar como certa a versão do arguido, fundamentando-se no seu depoimento e nas contradições no depoimento da queixosa.

Uma das testemunhas aludiu a uma gravação na qual o arguido reconheceria a alegada violência, mas que “nunca foi junta aos autos”. “Nem sequer uma fotografia com marcas de agressões a assistente tinha”. Carlos Oliveira apontou duas dezenas de contradições no depoimento de Susana Loureiro, incluindo uma deslocação “sozinha, à noite, a casa do arguido, que esteve seis meses sujeitos a vigilância eletrónica sem qualquer incidente”.

Sem “prova objetiva” e lembrando que o arguido confirmou a posse das armas, a “livre convicção do tribunal foi fundamentada, por 3 juízes, na prova testemunhal”. Não havendo quem tivesse presenciado os alegados episódios de violência, as testemunhas “apenas conheceram a versão da queixosa” pelo que manda “a experiência comum e a prova apreciada absolver o arguido. Uma decisão “inatacável”.

O juiz sublinhou que “não se afirma que não houve violência doméstica nem a posição do tribunal traduz censura. O juízo de prova mostrou uma dúvida razoável e sem provas não se pode condenar, decisão que exige certezas”.

Pelo que Ângelo voltou a ser absolvido do crime de violência doméstica e condenado a 200 dias de multa pela posse de duas armas de fogo.

<span class="creditofoto">Foto Amadeu Araújo</span>

Foto Amadeu Araújo

No exterior do tribunal ativistas do movimento Já Marchavas não esconderam a “estupefação”. “Não basta o sofrimento e a tortura, até parece que era a queixosa que estava no banco dos réus”, disse Graça Pinto, que reclama que a aplicação da Lei seja feita “por juízes com a decida formação e assessorias técnicas”. Também João Sevivas, advogado da queixosa, considerou a decisão “incompreensível” e anunciou novo recurso.

A defesa do arguido não quis prestar declarações.