Filha de peixe tem de estar sempre a provar que nada
Sei o que é nascer e crescer com a sombra de um pai a pôr em dúvida, até perante nós próprios, os méritos do que vamos conquistando. Sei como é fácil espicaçar a mesquinhez atribuindo à ascendência os resultados do trabalho de cada um. Sei que quem tem o privilégio de ter pais que de alguma forma se destacaram no espaço público também paga um preço por isso. O de ter de dar provas reforçadas para não deixar espaço para dúvidas quanto ao mérito do que consegue. Se não o fizer, viverá para sempre com a suspeita de vantagem imerecida. Se o fizer, tem direito a exigir respeito pelo seu trabalho.
Se há ascensão política que ninguém minimamente informado sobre a política portuguesa atribui a qualquer favorecimento é a de Mariana Vieira da Silva. Cumpriu plenamente o dever de provar que merece o lugar que ocupa. Na realidade, foi formalmente promovida a uma função que na prática já desempenhava. Não é seguramente das pessoas de quem estou politicamente mais próximo no PS. Mas se há carregadora de pianos neste Executivo, se há alguém com quem António Costa conta desde que tomou posse, se há quem dê tudo sem mostrar grande ambição, se há número dois que qualquer líder gostaria de ter é a nova ministra.
Se há carregadora de pianos neste Executivo, se há alguém com quem António Costa contou desde que tomou posse, se há quem dê tudo sem mostrar grande ambição, se há número dois que qualquer líder gostaria de ter é a nova ministra. Mariana Vieira da Silva não chegou ao Governo às cavalitas do seu pai
Não é estranho que o filho de alguém com intervenção política tenha intervenção política. Acontece o mesmo com os médicos, os advogados, os arquitetos, os desportistas, os músicos, os pescadores. No caso da geração de José António Vieira da Silva, a probabilidade do vírus passar para os filhos foi muito maior. Somos filhos da geração do 25 de Abril. A política não ficava à porta de casa. São poucos os que, tendo pais politicamente muito ativos e estando hoje próximos da casa dos 40, não tenham herdado o interesse ou até a militância política.
Mariana Vieira da Silva não chegou ao Governo às cavalitas do seu pai. Não foi ele quem a convidou, não é por causa dele que lá está. E fazer essa acusação, falando de nepotismo para atacar a promoção daquela que foi um dos principais pivôs políticos deste Governo, não é apenas injusto. Por envolver uma dimensão pessoal que quando as pessoas têm méritos próprios pode ser mais um fardo de o que um privilégio, é cruel. Rui Rio não é um político especialmente talentoso ou denso. Mas tenho-o por um homem sério, pouco dado aos ataques pessoais. Ter chamado à colação do debate político o parentesco da nova ministra da Presidência com o ministro do Trabalho não é um gesto que se esperaria dele. Um passo escusado para quem se quer destacar por não recorrer à baixa política.