Andamos nisto

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Bernardo Ferrão

Uma moção de censura ou um fogacho eleitoral?

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São 29 moções de censura desde 1974. Duas com a marca de Assunção Cristas. A líder do CDS nem precisava de se explicar, o país inteiro conhece as razões que a afastam de António Costa. Mais do que separar as águas, os centristas querem entalar o PSD e mostrar que lideram a direita, mesmo que isso os obrigue a surfar o clima de grande instabilidade que se vive no país. É irónico e artificial vermos a direita cavalgar os protestos da esquerda. A banalização da censura também merece ser censurada

Cada um joga com as armas que tem, o CDS nunca foi parco na censura e encontra agora nova oportunidade. Desde abril de 74, o partido avançou com sete moções de censura – a de 1984 contra Mário Soares acabou por ser retirada. Só que a história também nos mostra que todas elas falharam o seu propósito: na sua essência, a censura serve para fazer cair o Governo. Ou seja, Cristas arrisca um novo encolher de ombros dos que entendem este avanço como mais um fogacho com pouca ou nenhuma consequência. É eleitoralista? É, mas para esse dossiê todos os partidos têm contribuído.

Com a banalização da censura, o CDS arrisca ser entendido com maior desconfiança. Ou se preferirem, tenho dúvidas de que vá buscar novos eleitores

Com a banalização da censura, o partido arrisca ser entendido com maior desconfiança. Ou se preferirem, tenho dúvidas de que vá buscar novos eleitores. É uma tentativa de clarificação à custa da instabilidade. Com o PSD de Rui Rio em baixo de forma, os centristas anseiam por ganhos eleitorais, mas a oposição não pode, ou não deve, ter como única estratégia atirar a tudo o que mexe. O partido de Cristas não está a conseguir impedir essa imagem quase esquizofrénica: dispara a tudo o que lhe aparece à frente. É também por isso que esta moção soa a artificial.

Com a base de apoio a esboroar-se, o Governo não atravessa dias fáceis. As esquerdas que até aqui apoiaram António Costa são agora os críticos mais assanhados nas ruas e no Parlamento. A somar à forte contestação social, que tudo exige em tempos de arrefecimento económico, o PS avança com candidatos às europeias com a marca do Governo. Os novos ministros nem tempo terão para aquecer a cadeira. O que vão fazer até às eleições? Do outro lado da barricada, à direita, Cristas encontra oportunidade no vazio do PSD e não ignora a ameaça no feeling político do Aliança de Santana, que pode sair melhor do que a encomenda. É tudo isto que a faz avançar para esta censura.

Se alguém precisava de uma prova de que já estamos em campanha eleitoral, Cristas tornou-a evidente. E nem hesitou em cavalgar o protesto das esquerdas. A proximidade das eleições tem destas ironias: o que se diz e o que se faz nem sempre coincide. Esta moção já traz escrito o desfecho e nem sequer condiciona de sobremaneira Rui Rio. Alguém se espantará se o líder do PSD se abstiver alegando que este não é o tempo? Alguém espera que as esquerdas aprovem uma moção de censura do CDS? Cristas terá feito todas estas contas e certamente não ignora que há disparos que saem ao lado.