Brasil

A morte chegou quando dormiam, naquilo que devia ser um parque de estacionamento

Ninho do Urubu, situado no bairro de Vargem Grande, é partilhado pelo futebol profissional e de formação <span class="creditofoto">Foto Ricardo Moraes/Reuters</span>

Ninho do Urubu, situado no bairro de Vargem Grande, é partilhado pelo futebol profissional e de formação Foto Ricardo Moraes/Reuters

O incêndio no Ninho do Urubu, a academia de futebol do Flamengo, no Rio de Janeiro, matou sete atletas entre 14 e 15 anos e três funcionários do clube. Zona de dormitórios tinha apenas autorização para estacionamento

Texto Hugo Tavares da Silva

Felipe escapou à lista maldita que entorpece a alma das famílias e dos apaixonados pelo “mengão”, o grande clube do Rio de Janeiro. Felipe escapou às chamas. “Incêndio ocorreu no meu quarto, só tenho que agradecer a Deus por conseguir acordar e escapar da morte, Deus conforte meus irmãos”, escreveu no Twitter o atleta dos juvenis (sub-17) do Flamengo.

Christian Esmério. Bernardo Pisetta. Pablo Henrique. Arthur Vinícius. Athila Paixão. Vitor Isaías. Jorge Eduardo. Tinham 14 e 15 anos e morreram esta sexta-feira no Ninho do Urubu, num incêndio que vitimou, pelo menos, outras três pessoas, todos funcionários do clube do Rio de Janeiro. Há três feridos hospitalizados.

<span class="creditofoto">Foto António Lacerda/EPA</span>

Foto António Lacerda/EPA

Vinícius, o garoto de 18 anos que ameaça desforrar o orgulho dos adeptos do Real Madrid, conhece bem aquele ninho. Passava a vida a falar e a pensar em futebol, em São Gonçalo, num clube local. Até que o Flamengo lhe bateu à porta.

O talento que hoje ameaça comer o mundo, indiferente ao carrancudo e exigente Santiago Bernabéu, conhece bem aquelas rotinas. Os treinos, as bobeiras, as refeições, as noites, as correrias, os golos. Os sonhos. Os sonhos que agora Christian, Bernardo, Pablo, Arthur, Athila, Vitor e Jorge veem interrompidos.

“Só de lembrar as noites e dias que passei no CT [centro de treinos], é de arrepiar. Ainda sem acreditar, mas em oração por todos! Que Deus abençoe a família de cada um”, escreveu no Twitter Vinícius Júnior. Afinal, “é a sua casa”, explicava em conferência de imprensa Santiago Solari, o treinador dos merengues, dando conta de um Vinícius “afetado”.

<span class="creditofoto">Foto António Lacerda/EPA</span>

Foto António Lacerda/EPA

As notícias multiplicam-se, teme-se a chegada de mais nomes. Samuel, também ele dos juvenis, relatou a sua versão nas redes sociais. “Estava dormindo na hora e senti um cheiro de queimado muito forte, pensei que meu celular tivesse queimado. Quando fui ver, vi aquela explosão, veio fumaça no meu olho… Saí correndo. Não deu para ajudar”, lamentou-se.

Há três feridos hospitalizados, um deles tem 14 anos e os outros dois 15. Jonathan Cruz Ventura é o caso que apresenta mais preocupações: tem 30% do corpo com queimaduras de terceiro grau.

Zona afetada só tinha autorização para estacionamento

A investigação está em marcha. Aquela área que ardeu tinha apenas autorização para funcionar como parque de estacionamento. Segundo a “Folha de São Paulo”, essa autorização foi concedida em 2018. O Flamengo ainda não reagiu a esta informação disponibilizada pelo município do Rio de Janeiro.

“A área de alojamento atingida pelo incêndio não consta do último projeto aprovado pela área de licenciamento, em 05/04/2018, como edificada”, esclareceu uma declaração do município. “No projeto protocolado, a área está descrita como um estacionamento. Não há registos de novo pedido de licenciamento da área para uso como dormitórios.”

De acordo com o diário brasileiro, os bombeiros foram chamados às 5h17 da manhã. O incêndio atingiu a zona mais velha do campo de treinos, “que servia de alojamento para as categorias de base e recebia jogadores de 14 a 17 anos de idade”. O fogo foi controlado 43 minutos depois.

O Ninho do Urubu, situado no bairro de Vargem Grande, é partilhado pelo futebol profissional e de formação. Ao local rapidamente chegaram cariocas com flores e orações para amansar a alma.