Andamos nisto

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Bernardo Ferrão

O elixir de Super-Mário

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Ainda sem se saber o que fará Mário Centeno depois das eleições de outubro, se fica no Governo ou se se dedica, mas em exclusivo, aos mais altos cargos do Euro, o ministro das Finanças quis esta semana deixar uma espécie de caderno de encargos para quem vier a seguir. Ou se preferirem uma confissão pesada sobre os limites que lhe foram impostos pela solução governativa de que fez parte e que ele próprio alimentou.

“Hoje podemos dizer que Portugal cresce acima da média da União Europeia, algo que não acontecia há muitos anos, mas não nos devemos esquecer de uma coisa. Sou economista, e ninguém descobriu o elixir do crescimento eterno. Todo o processo de crescimento económico é, fazendo uma analogia com a atividade desportiva, uma maratona, não é uma corrida de 100 metros”, afirmou Mário Centeno numa cerimónia onde era distinguido como personalidade do ano pela Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, também por ser presidente do Eurogrupo.

Como reconheceu a insuspeita Teodora Cardoso, o ministro Centeno teve e tem várias qualidades. Entre elas a de ter alertado o país para a importância de ter as contas públicas em ordem. Aliás, esse é sem dúvida o grande trunfo que António Costa leva para as eleições e que deixou a direita como se vê: desfalecida e sem discurso. Mas todos sabemos como foram feitas as contas à Centeno, não a martelo mas à custa de muitas cativações, baixo investimento público e aproveitando, o que é um mérito seu, a boa onda internacional.

Sou dos que reconhece o valor de Mário Centeno, que se tornou num ativo fundamental ao ter conseguido devolver a confiança a um país que estava no lixo. Mas não sejamos ingénuos, Centeno está também a queixar-se de si próprio. Em certa medida permitiu que as finanças se subjugassem aos interesses políticos de António Costa

Só que as coisas estão a mudar, os anos que se seguem não trazem boas notícias na frente externa. Por isso, este alerta de Centeno também é uma confissão de alguma impotência. Não por culpa própria mas imposta pelas circunstâncias. Quando diz que todo o crescimento é uma “maratona e não uma corrida de cem metros”, Centeno está também a dar razão a uma das críticas mais repetidas: a “frente de esquerda” não trazia capacidade de reformar, a sua política seria sempre de terra à vista. O ministro reconhece que era preciso ao longo destes anos ter deixado o país mais preparado para as tempestades porque, como explica, não há um elixir para o crescimento. Ao mesmo tempo está também a dizer-nos que o PS, com ou sem ele, tem um trabalho para concluir.

Sou dos que reconhece o valor de Mário Centeno, muito respeitado entre os seus pares, tornou-se num ativo fundamental ao ter conseguido devolver a confiança a um país que estava no lixo. Mas não sejamos ingénuos, Centeno está também a queixar-se de si próprio. Em certa medida permitiu que as finanças se subjugassem aos interesses políticos de António Costa.

O mais curioso é que surja agora, quase em final de mandato, a falar-nos da importância da estabilidade. Apesar de tudo o Governo teve-a ao longo destes anos, contrariando as teses do diabo, a união das esquerdas aprovou quatro orçamentos. Ou será que Centeno nos está a dizer que a estabilidade dos últimos anos serviu apenas à lógica de manutenção do poder? A verdade é que de profundo pouco ou nada se alterou. Para um país com tamanha dívida, aos olhos da Europa e das agências de rating Portugal está melhor. Mas, cá dentro, para chegarmos a tal conclusão, somos obrigados a ignorar o estado do SNS, da ferrovia, das escolas e de muitas outras chagas que nos afetam diariamente. E o pior é que chegamos aqui sem qualquer clarificação sobre que sociedade queremos ser ou qual deve ser o papel do Estado, que aliás sai desta experiência ainda mais maltratado. Não se iludam, este mea culpa de Centeno, mais do que assumir o que quer que seja, traz sobretudo um pedido implícito: o PS quer ganhar as eleições e se possível com maioria. Para isso nada melhor do que pôr o Super-Mário a funcionar. Mesmo que se trate do mesmo homem que assinou sempre por baixo e que pode, quem sabe, partir rumo a outra meta.