Andamos nisto

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Bernardo Ferrão

Alguém acredita que Rui Rio pode virar o jogo?

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Muitas vezes o calculismo é olhado como um defeito, mas em política pode ser (e é em muitos casos) uma virtude. Montenegro não poupou na dose quando recusou dar um passo em frente, alegando sempre que era preciso deixar Rui Rio cumprir o seu mandato com dignidade. Montenegro sabia que aquela não era ainda a sua hora. A colagem a Passos Coelho pesava em demasia e era preciso deixar consolidar a desorientação de Rio na oposição. Não foi preciso fazer muito, os fracassos de Rio deram-lhe o músculo necessário para o “eu vou!”.

Muitos perguntam porquê agora? As explicações são várias: criar uma crise depois das europeias era impensável, o dano para o PSD e para quem provocasse seria muito maior. Depois, caso já seja líder nessas eleições, Montenegro acredita que pode capitalizar com o típico voto de protesto (por ser mais livre) das europeias. E há ainda quem encontre em Passos Coelho outra explicação para o timing. Montenegro quis antecipar-se. Ao ir agora fica na pole-position para o pós-António Costa.

Acreditar neste cenário é aceitar que Passos Coelho está mesmo a preparar um regresso e quer tomar o poder depois de Costa – e isso não é certo – mas mais importante é aceitar que Montenegro dura até lá, ou seja, tem um escudo superprotetor, e só seu, em caso de derrota nas legislativas. A história do PSD mostra-nos que não é assim, os líderes que não ganham duram pouco ou nada. Porque haveria de ser diferente se em outubro for derrotado por Costa? E se perder já as europeias ou ganhar por poucochinho? Será que o feitiço não se vira contra o feiticeiro?

Se aceitar o desafio e convocar de imediato as diretas, Rio pode virar o jogo. Não é líquido que ganhe, é até muito difícil, mas mostra rasgo, surpreende o inimigo e cavalga nos muitos que não se reveem neste assalto antes de eleições

Além do calculismo, a política também se faz de golpes e encenações. E de facto, a melhor coisa que podia acontecer a Montenegro é que Rui Rio continue a ser Rui Rio. Explicando melhor: Montenegro faz um desafio confiando que tudo ficará na mesma, ou seja que Rio o ignore e leve a guerra até ao Conselho Nacional. Nesse palco, com ajuda da mercearia dos lugares e das promessas às distritais, Rio pode ganhar força e resistir. Ao opositor bastaria aceitar a “derrota” que se tornaria num ganho para cobrar mais tarde. A opção tinha sido do partido, ele esteve lá quando o PSD precisou.

Por mais cenários que se tracem, a verdade é que o final desta história já parece bem delineado e não é bom para Rui Rio. Mas o líder ainda pode escolher como quer acabar. Num processo muito semelhante, e que Montenegro jurou nunca replicar, António José Seguro demorou a entender qual era a pressa mas lá acabou por perceber. Se aceitar o desafio e convocar de imediato as diretas, Rio pode virar o jogo. Não é líquido que ganhe, é até muito difícil, mas mostra rasgo, surpreende o inimigo e cavalga nos muitos que não se reveem neste assalto antes de eleições. Se, ao contrário, forçar a ida de Montenegro ao Conselho Nacional e insistir na desvalorização dizendo que é o último fôlego da oposição interna, Rio está a seguir o guião traçado pelos que o querem demitir. E pior: está a condenar o PSD a um prolongado desastre sem precedentes que lhe será cobrado. Nessa altura, o reforçado Luís Montenegro só precisará de dizer: eu bem avisei!