Um tiro inesperado e certeiro
A demissão de Azeredo Lopes não foi apenas a demissão de Azeredo Lopes. Foi mais um episódio de uma novela que não vai acabar tão cedo. E que ainda pode salpicar o primeiro-ministro. A saída do ministro da Defesa era cada vez mais inevitável. E António Costa fez do que melhor sabe fazer: aproveitar um mau momento político para tentar transformá-lo num bom momento político. Tentou redistribuir o jogo quando estava em perda. Com o Orçamento do Estado fechado, pode finalmente escolher um Governo para o embate eleitoral. E, em alguns casos, as escolhas pretendem defender o flanco esquerdo.
A saída de Azeredo permitiu a Costa livrar-se de dois ministros inexistentes: Manuel Caldeira Cabral e Luís Castro Mendes eram dois pesos-mortos, inúteis para os respetivos sectores e para qualquer combate político. No caso do ministro da Cultura, ainda havia o amargo de boca dos disparates no concurso plurianual de teatro, que levou à saída da diretora-geral das Artes e acabou com o estado de graça de Costa entre os artistas. Para substituir os ministros, António Costa escolheu duas pessoas do seu círculo muito próximo: promoveu Pedro Siza Vieira, que há apenas um ano foi nomeado ministro Adjunto, e Graça Fonseca, a antiga vereadora que chegou a ser falada para sua sucessora na Câmara e que tem estado com a reforma administrativa.
No caso de Siza Vieira, suspeito que os problemas de incompatibilidades se vão reavivar e que, por isso, esta continua a ser uma aposta perigosa para o primeiro-ministro. No caso da Cultura, depois de João Soares e de Castro Mendes, Costa continua a optar por ministros sem peso na área. Pode ser, no entanto, que a experiência política e autárquica de Graça Fonseca, assim como a sua especialização política na gestão da administração pública, lhe permita executar o orçamento de forma satisfatória. Costa não escolheu uma ministra para construir uma política cultural que este Governo nunca teve, escolheu uma ministra para executar o que existe. A um ano de eleições não é absurdo. No reforço de poder do seu círculo de confiança pode entrar também a passagem da pasta da energia para as mãos do ministro do Ambiente, Matos Fernandes. Uma passagem que, do ponto de vista orgânico e político, faz todo o sentido.
Quando o Governo dava sinais de decadência, Costa mostrou que consegue reagir. Seguiu duas lógicas diferentes: para os ministérios de onde podem vir estilhaços graves, escolheu duas pessoas técnica e politicamente competentes. Para substituir dois inexistentes, promoveu pessoas próximas. E ninguém pode dizer que o Governo não ficou melhor
Com esta remodelação, Costa também se livra de dois problemas. Para além do próprio Azeredo Lopes, sai Adalberto Campos Fernandes. Desconfio que mais do que a instabilidade laboral no sector ou a entrada em colapso do Serviço Nacional de Saúde, tenha pesado na decisão a novela do Infarmed. Quando Costa disse que se isto fosse uma autocracia o Infarmed ia para o Porto, sentiu-se que o ministro estava a termo. Costa não é autocrata, mas quem as faz, paga. Não conheço Marta Temido, antiga presidente da Administração Central de Serviços de Saúde, de onde terá saído com relações tremidas com o ministro. Mas toda a informação que recolhi é de uma enorme preparação técnica e, apesar de ter ido para presidente não-executiva do Hospital da Cruz Vermelha, de um grande empenhamento na defesa de um Serviço Nacional de Saúde público e sustentado. Além disso, a sua experiência em administração hospitalar é um elemento central para lidar com muitos dos atuais problemas do SNS.
Para substituir Azeredo Lopes, Costa foi buscar alguém com enorme preparação política, competência técnica e conhecimento da máquina do Estado: João Gomes Cravinho, antigo secretário de Estado da Cooperação, com uma carreira diplomática na União Europeia e que há muito tempo deveria ter sido uma escolha óbvia para estar no Governo. Rodeasse-se Costa de mais gente competente e menos amigos e muitos problemas nem teriam existido.
Esta remodelação, feita depois do Orçamento apresentado e para preparar um ano de combate eleitoral, é, no essencial, um tiro certeiro. Até porque era inesperada. Quando o Governo dava sinais de decadência, Costa mostrou que consegue reagir. Seguiu duas lógicas diferentes: para os ministérios de onde podem vir estilhaços graves, António Costa escolheu duas pessoas técnica e politicamente competentes para lidar com os problemas estruturais, no caso da Saúde, e políticos, no caso da Defesa. Duas pessoas sóbrias e respeitadas com o perfil que, desde o primeiro dia, deveriam ter os seus ministros. Para substituir dois ministros que temos de ir ao organigrama do Governo para nos recordarmos dos seus nomes, Costa promoveu pessoas próximas. No caso da Cultura, a experiência de Graça Fonseca servirá sobretudo para executar com competência o orçamento que vai herdar. E reforçou o poder de dois governantes da sua confiança pessoal: Siza Vieira e Campos Fernandes. É natural que quem espera por momentos de guerra queira generais que conhece bem. Esta é uma remodelação politicamente preventiva e taticamente ofensiva. Seja como for, com a entrada no Governo de Marta Temido e Gomes Cravinho, e com a saída dos quatro ministros demissionários, ninguém pode dizer que o Governo não ficou melhor.