Opinião

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Martim Silva

Paulo Trigo Pereira e os alertas para um futuro (perigoso) do PS

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Estamos em dezembro de 2018. Com mais de 40 por cento das intenções de voto nas sondagens, António Costa e o Partido Socialista parecem caminhar calmamente para uma anunciada vitória nas eleições legislativas dentro de 10 meses. Poucas pedras parecem existir no caminho do partido da rosa. Rui Rio seguramente não é nesta altura uma delas. E a situação económica também não parece, por agora, poder ser.

Não é evidentemente a saída de um deputado da sua bancada, por mais estrondosa que seja, que faz alterar este estado de coisas. Mas o bater com a porta de Paulo Trigo Pereira, reputado economista que passa a deputado autónomo, sem bancada no Parlamento (algo que já aconteceu diversas vezes ao longo da história), traz sinais que podem vir a revelar-se preocupantes.

Na entrevista ao Público do último fim de semana (link AQUI https://www.publico.pt/2018/12/08/politica/noticia/partidos-nao-estao-habituados-lidar-pessoas-independentes-1854033), Paulo Trigo Pereira afirma, entre outras coisas:

-"Com a excepção do Orçamento do Estado e mesmo aí com muitas limitações, o grupo dos deputados da Comissão de Orçamento Finanças e Modernização Administrativa não funciona há bastante tempo."

-"Parece-me um pouco estranho que um vice-presidente da COFMA nos dois momentos mais importantes das finanças públicas - o orçamento do Estado e o Programa de Estabilidade - não intervenha em plenário."

-"Nunca pedi para falar em plenário mas também não me foi sinalizado. A única explicação puramente especulativa é que sou um deputado desalinhado."

-"A AR devia ter um papel muito mais preponderante, mas isso exigia que os Grupos Parlamentares funcionassem bem".

-"Há dois meses que aguardava para falar com Carlos César".

-"os partidos não estão habituados a lidar com pessoas independentes."

-"Compreendo que a direcção da bancada sinta algum desconforto e que chegou a um ponto que eu achei ridículo e ineficaz: nomear-me para o grupo de trabalho da Lei das Finanças Locais e depois desnomear-me por causa da minha votação".

-"Muitos deputados - e não sou só eu - sentem-se um pouco desincentivados."

-"nível das bases funciona bem no PS, ao nível da super-estrutura é que funciona muito mal."

-" PS anda um pouco embalado pelas sondagens. E não se ganham eleições com sondagens, ganham-se com votos."

Peço desculpa por ter sido tão exaustivo nas frases que aqui coloquei. Mas ao lê-las todas é difícil o leitor não chegar à mesma conclusão que eu próprio cheguei: algo não está ali a funcionar muito bem. Claro que deve ser dado o devido desconto ao facto de um deputado em ruptura ser um deputado que está descontente e que a sua visão é agora particularmente crítica. Eventualmente até exageradamente crítica.

Ainda assim, há aqui, repito, sinais preocupantes para o futuro.

O PS vai ganhar com toda a probabilidade as próximas eleições. E até pode conseguir uma maioria absoluta. Mas quanto mais afunilar, quanto mais se virar para dentro, menor futuro terá o seu projeto político, independentemente da votação que conseguir obter nas urnas. Quando os partidos deixam de conseguir olhar para fora e de captar para si alguns dos melhores da sociedade, e enquadrá-los devidamente no seu próprio funcionamento, é quando deixam de poder oferecer soluções novas.

É muito bonito chamar independentes para as listas dos deputados e utilizá-los como flor na lapela quando se luta pelo voto dos portugueses. Mas é um mau sinal quando esses contributos não são bem acolhidos e utilizados. E manifestamente o contributo de Trigo Pereira não terá sido usado da melhor forma.

A saída deste deputado da bancada do PS é, rinsisto, um grão de areia. Não vai mexer com nada nem abalar nada. Mas traz em si mesmo sintomas do que pode vir a revelar-se um esvaziamento do projeto político liderado por António Costa.

Cavaco ganhou em 91 mas já existiam sinais de fim de ciclo. Guterres idem quando venceu em 1999. Tal como com Sócrates em 2009. Por isso, a António Costa e à atual maioria não basta chegar em primeiro lugar nas eleições do ano que vem. É preciso arejar a maioria de forma a que estes pequenos quistos não se transformem em algo bem mais grave.