A tempo e a desmodo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

É um nokia com o jogo da cobrinha, s.f.f.

Contactos do autor

Tenho medo do vírus, mas tenho sobretudo horror dos políticos e burocratas que instrumentalizam o medo. A probabilidade de acordarmos em sociedades com menos liberdades é altíssima. Vemos isso todos os dias, e não apenas na Hungria.

Um capitão dizia-me há dias que o seu navio usa tecnologia obsoleta para se proteger de ataques informáticos. Tenho pensado nisto, e não como metáfora. Usar telemóveis antigos poderá ser a única forma de ficarmos a salvo da vigilância totalitária (não uso a palavra à toa) do “capitalismo de vigilância” e, agora, do estado sanitário

Tem sido, de resto, trágico observar a forma como a liberdade e a república podem ser postas em causa em quinze dias. Sim, eu sei que o amor pela liberdade não é natural, é um treino diário, é uma construção que requer reparação diária, é uma catedral exterior ao coração humano, não é o coração humano, não é a natureza humana. A liberdade até pode ser vista como a negação da natureza humana. Sim, sempre defendi isto, mas não deixa de ser surpreendente assistir ao vivo à erosão quase instantânea dos escudos da liberdade. Ontem, ouvi a editora-chefe do “Economist” a defender com unhas e dentes a vigilância eletrónica dos cidadãos através dos telemóveis. O ângulo dela, muito comum em demasiados sectores “libertários”, é apenas o tecnológico. Esquece o ângulo legal ou moral. O fascínio pela tecnologia não pode ocultar o respeito pelas liberdades. A existência desta tecnologia não legitima o seu uso. A sua aplicação à vigilância dos cidadãos é perigosa e põe em causa a nossa relação Estado-cidadão. Se a liberal “Economist” pensa assim, o que dirão os outros? Se esta vigilância se torna o padrão, nunca mais recuará e será o novo (a)normal.

Um capitão dizia-me há dias que o seu navio usa tecnologia obsoleta para se proteger de ataques informáticos. Tenho pensado nisto, e não como metáfora. Usar telemóveis antigos poderá ser a única forma de ficarmos a salvo da vigilância totalitária (não uso a palavra à toa) do “capitalismo de vigilância” e, agora, do estado sanitário. Abdico da tecnologia smarthphone. Não posso é abdicar da minha liberdade.