ESPANHA

Extrema-direita parte da Andaluzia à conquista do país

O líder do Vox, Santiago Abascal, celebra o bom resultado com o candidato andaluz Francisco Serrano <span class="creditofoto">Foto Marcelo del Pozo/Reuters</span>

O líder do Vox, Santiago Abascal, celebra o bom resultado com o candidato andaluz Francisco Serrano Foto Marcelo del Pozo/Reuters

Há três anos o partido Vox obteve 18.092 votos nas regionais. Este domingo chegou aos 395.978 e elegeu doze deputados ao Parlamento andaluz, tornando-se a chave para a formação do próximo governo autónomo

Texto ANGEL LUIS DE LA CALLE*, correspondente em Madrid

Os inesperados resultados das eleições regionais na Andaluzia, com a potente irrupção da formação de extrema-direita Vox, estão a abalar os fundamentos da política espanhola, que nestas horas posteriores à contagem dos votos procura acomodar-se aos efeitos imediatos do escrutínio. A primeira consequência é que o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda), embora tenha sido o mais votado nas eleições, vai perder o poder depois de o exercer durante 36 anos consecutivos na região, o maior viveiro de votos do socialismo espanhol, juntamente com a Catalunha

Os números dizem que não é possível, pelo menos à primeira vista, uma aliança de esquerda dos socialistas com o Podemos (P’s, esquerda radical populista), que se apresentou às eleições na aliança Adiante Andaluzia. As duas listas somam 50 assentos, abaixo do limiar da maioria absoluta no parlamento regional (55).

Mais viável parece, por ora, um acordo para governar com os 59 deputados obtidos pela direita, fragmentada entre Partido Popular (PP, centro-direita), Cidadãos (C’s, centro-direita liberal) e Vox, que elege deputados regionais pela primeira vez. Nem seria possível uma reedição da anterior coligação de Governo entre PSOE e C’s, cuja rutura levou às eleições de ontem, que normalmente seriam em 2019: acumulam agora 47 lugares, menos oito do que os necessários para a investidura. O C’s admite uma aliança com o PP e o PSOE, que deixaria de fora a extrema-direita, mas apenas se o seu candidato, Juan Marín, for o próximo presidente. Arrojado, já que ficaram em terceiro lugar, atrás do PSOE e do PP.

O candidato dos populares à chefia do governo regional, Juan Manuel Moreno, anunciou ontem o fim do poder socialista na a única das 17 regiões espanholas que nunca conheceu a alternância democrática. Ontem à noite dirigiu-se “a todas as forças que querem a mudança”, sem excluir o Vox.

As sondagens voltaram a falhar nas eleições regionais andaluzas de 2 de dezembro <span class="creditofoto">Foto Jon Nazca/Reuters</span>

As sondagens voltaram a falhar nas eleições regionais andaluzas de 2 de dezembro Foto Jon Nazca/Reuters

Derrota de Susana é derrota de Pedro

Apelo bem diferente fez Susana Díaz, presidente da Andaluzia desde 2013. A quebra de votos, apesar de ter vencido as eleições, ditará o fim do consulado desta rival interna de Sánchez no PSOE. “Sabendo que a extrema-direita entra [no parlamento], lanço um apelo às forças constitucionalistas. Demonstremo-lo travando a extrema-direita na Andaluzia”. Palavras que caíram em saco roto, até ao momento.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez (PSOE), também perdeu na Andaluzia o romance que parecia manter com as sondagens (que, de novo, erraram estrepitosamente nos seus prognósticos) e os índices de popularidade. Embora já se desse por certa uma sensível deterioração nos resultados eleitorais andaluzes, não entrava nos cálculos do PSOE um afastamento do poder tão traumático.

Para Sánchez, cuja primeira reação perante a subida do Vox foi um apelo geral a “defender a Constituição”, torna-se muito mais complicado tomar decisões sobre quando convocar as legislativas, tendo em conta, sobretudo, as escassas possibilidades que o seu Governo tem para fazer aprovar no Parlamento o Orçamento Geral do Estado. Recorde-se que o líder socialista chegou ao poder apoiado por partidos nacionalistas, independentistas e de esquerda radical há apenas seis meses, em resultado de uma moção de censura contra o anterior chefe do Executivo, Mariano Rajoy (PP). O PSOE conta com uma raquítica bancada de 84 deputados em 350. Antecipar as eleições nacionais, com o revés andaluz e a subida do Vox, seria uma temeridade, na opinião da maioria dos analistas consultados.

A direita nacionalista congregou o voto de protesto contra o primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez <span class="creditofoto">Foto Sergio Pérez/Reuters</span>

A direita nacionalista congregou o voto de protesto contra o primeiro-ministro socialista, Pedro Sánchez Foto Sergio Pérez/Reuters

Ascensão meteórica

O mais surpreendente das eleições andaluzas foi, porém, a repentina e poderosa aparição no panorama político do Vox — novo partido identificado com a extrema-direita — e aquilo que promete ser uma transposição imediata para o conjunto de Espanha deste fenómeno nas eleições regionais, municipais e europeias marcadas para maio de 2019. Há apenas dois meses, a 8 de outubro, o Vox surpreendia a opinião pública reunindo numa antiga praça de touros de Madrid cerca de 10.000 simpatizantes de uma opção política sobre a qual apenas se tinha ouvido falar nos meios de comunicação.

Há três anos, nas eleições da Andaluzia, o Vox obteve pouco mais de 18 mil votos e nenhuma representação parlamentar. Neste domingo, os sufrágios conseguidos superam os 395 mil e conferem-lhe 12 assentos no Parlamento regional.

O VOX nasceu há cinco anos, por iniciativa pessoal de Santiago Abascal (Bilbao, 1976), antigo deputado regional do PP no País Basco, acostumado a fazer política no ambiente hostil propiciado pelo terrorismo da ETA naquela zona de Espanha. Filho de um vereador franquista, Abascal patrocinara a Fundação Defesa da Nação Espanhola (DENAES), que acabou por ser o embrião do partido político que viria a ser inscrito como Vox. A sua trajetória desde então, até à explosão andaluza, foi dar a conhecer pouco a pouco o seu ideário e fazer ouvir a sua voz de unidade nacional frente aos riscos do separatismo catalão.

O chefe de Governo terá ainda maior dificuldade em gerir o seu Executivo minoritário após o desaire andaluz <span class="creditofoto">Foto José Coelho/Lusa</span>

O chefe de Governo terá ainda maior dificuldade em gerir o seu Executivo minoritário após o desaire andaluz Foto José Coelho/Lusa

Ecos catalães

Não há dúvida de que o processo separatista que se vive na Catalunha e as conivências do Governo de Sánchez com o independentismo em busca de apoios para a sua difícil estabilidade no poder foram a raiz do êxito do Vox na Andaluzia e dos que se lhe auguram em todo o território espanhol nos próximos meses. A ultradireita parece associar-se aos pontos de vista de boa parte da sociedade espanhola ao defender, no seu programa de “reconquista”, como lhe chama Abascal, a supressão do Estado autonómico e a recentralização do Estado, a suspensão imediata da autonomia da Catalunha e a ilegalização dos partidos que persigam a destruição da unidade territorial.

O candidato do Vox na Andaluzia, que agora chefiará uma bancada de uma dúzia de deputados, é o juiz Francisco Serrano. Afastado da magistratura em 2011 pelo Supremo Tribunal, por prevaricação (aguarda recurso no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos), é uma figura polémica, que desvaloriza a violência de género e produz afirmações homofóbicas

O manifesto do Vox é recheado de propostas clássicas da florescente extrema-direita europeia, como o repúdio do casamento homossexual e das leis de defesa dos direitos LGBTQI, o controlo estrito da imigração (propunha a construção de um muro para isolar Ceuta e Melilha) e a deportação imediata dos imigrantes ilegais, assim como o encerramento das mesquitas fundamentalistas, a supressão do direito ao aborto, a eliminação do Senado e do Tribunal Constitucional. A primeira felicitação que Abascal recebeu na jornada eleitoral de ontem proveio da líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen.

*com Pedro Cordeiro