Os três partidos que se estreiam no Parlamento

Joacine Katar Moreira tornou-se o rosto do Livre e será uma estreia na Assembleia da República <span class="creditofoto">Foto Lusa</span>

Joacine Katar Moreira tornou-se o rosto do Livre e será uma estreia na Assembleia da República Foto Lusa

Na próxima legislatura, o número de partidos representados no Parlamento passa de sete para dez, com a entrada do Livre, da Iniciativa Liberal e do Chega

Texto João Diogo Correia, Raquel Albuquerque e Isabel Leiria

Livre

Cinco anos depois de nascer, a papoila estreia-se no Parlamento

Com o símbolo de uma papoila, o Livre nasceu em março de 2014 e levou cinco anos a entrar na Assembleia da República. Conseguiu-o hoje, já depois de ter entrado noutras cinco corridas eleitorais: ao Parlamento Europeu, à Presidência e às autarquias. Desta vez, com mais sucesso, conseguiu 56 mil votos, com um total de 1,09% dos eleitores, e fez entrar no Parlamento, pelo círculo de Lisboa, uma deputada: Joacine Katar Moreira.

Aumentar o salário mínimo para 900 euros foi a medida que o Livre mais repetiu durante estas últimas semanas. “Vêm dizer que é utopia um salário de 900 euros. Utopia é obrigarem-nos a viver com 600 euros quando as rendas são mais do que o dobro", disse Joacine Moreira, durante a campanha, assumindo que o partido estuda formas de propor o Rendimento Básico Incondicional. “Alguém com um ordenado de 600 euros não tem opções rigorosamente nenhumas.”

É também deste aumento do salário que o partido, que considera que o seu lugar “é no meio da esquerda”, vê depender um aumento do cuidado dos cidadãos pelo ambiente. “Ninguém faz as melhores escolhas ecológicas quando o salário que ganha lhe chega apenas para sobreviver.” Justiça social e justiça climática foram dois chavões centrais da campanha do Livre.

Foi nos concelhos mais urbanos de Lisboa (3,26%), Oeiras (2,52%), Cascais (1,84%) e Amadora (1,72%) que conseguiu os melhores resultados. Mas em 258 outros municípios - ou seja, a esmagadora maioria do país - teve menos de 1%. Em Pedrógão Grande ou Barrancos teve apenas dois votos, por exemplo.

Reconhecendo que foram os estudantes que colocaram o tema na agenda política, o Livre defende que a urgência climática “seja uma urgência número um” no Orçamento do Estado, defendendo a necessidade de “imediatamente alterar hábitos capitalistas industriais e financeiros”. O partido defende a necessidade de um “novo pacto verde” e argumenta que até agora não existiam em Portugal “partidos da família da esquerda verde europeia e europeísta”.

Sobre as outras alternativas partidárias ligadas ao ambiente - que agora vão ser seus colegas no Parlamento, o Livre coloca-se à parte, tanto da “ecologia sem ideologia” do PAN, como das “lógicas coligativas” de "Os Verdes", que integra a CDU. E aproveita para avisar que no que toca ao aeroporto do Montijo, admite apresentar uma queixa junto da Comissão Europeia, relativa à violação das diretivas europeias sobre aves, habitats e estudos de impacte ambiental.

A figura central do Livre durante esta campanha deixou de ser o líder do partido, Rui Tavares, que apareceu quase sempre em segundo plano, para ser Joacine Katar Moreira, 37 anos, doutorada em Estudos Africanos e que rapidamente saltou para o palco desta corrida. A sua gaguez, agravada sempre que tem microfones ou câmaras à frente, tornou-se num tema da campanha. E a candidata a deputada, de 37 anos, optou sempre por usar humor para falar do que “é mais do que evidente”.

Ter uma mulher, negra, afrodescendente e gaga a candidatar-se ao Parlamento é, assumiu a própria Joacine, “revolucionário”. Mas não é só isso. “É um incentivo para que qualquer indivíduo sinta que está habilitado a participar e intervir politicamente”, assumiu durante a campanha. O Livre admite que haja eleitores que até tenham votado mais por Joacine do que pelo próprio partido, mas não os preocupa que a figura da futura deputada se sobreponha.

E uma das outras medidas que defendem é a implementação de quotas étnico raciais, não com o objetivo de “valorizar uns e desvalorizar outros”, mas para “reduzir assimetrias estruturais que só com dezenas de anos é que iam ser resolvidas”.

Mas para garantir a justiça social de que o Livre fala outra das mudanças necessárias é tornar possível que quem nasça em Portugal tenha nacionalidade portuguesa de forma imediata, “independentemente da situação oficial em que se encontrem os pais e os avós".

Além disso, o partido defende a necessidade de criar um Balcão de Habitação a nível nacional e investir para assegurar 10% de habitação pública no país, um objetivo “ambicioso mas realista”, segundo Rui Tavares. “E abaixo do que existe noutros países. O Estado português precisa de estar no mercado de regulação do arrendamento.”

Questionados durante a campanha sobre se teriam disponibilidade para formar governo com o PS, o Livre admitiu que sim, caso os socialistas "respeitem" os objetivos do partido. "Se eventualmente houver necessidade de uma convergência com o Partido Socialista, nós iremos analisar. Mas isto só se os nossos objetivos de justiça social e justiça climática forem respeitados", disse Joacine Katar Moreira, considerando que o Livre não é “a favor de nenhuma maioria absoluta”.

Iniciativa Liberal

Eles querem ser os “rebeldes responsáveis” do Parlamento

<span class="creditofoto">Foto Lusa</span>

Foto Lusa

Se para alguns partidos as legislativas de 2015 representaram uma descoberta, como aquela que aconteceu com a união à esquerda, para outros foi razão de existência. Naquela noite, um grupo de pessoas que se contava pelos dedos de uma mão começava a pensar no que faltava a Portugal. “Não existe um partido liberal no Parlamento”, lembram agora, acabados de eleger o primeiro deputado à Assembleia da República.

Não era uma motivação de oposição à “Geringonça”, dizem, mas uma forma de trazer um discurso novo à política portuguesa. “E aí, se quisermos, vem a segunda motivação, não tão positiva: o debate político era mau, de má qualidade”, conta Rodrigo Saraiva, um desses primeiros membros do que viria a ser o Iniciativa Liberal (IL).

Desse grupo de quatro ou cinco passou-se para um jantar com 12 pessoas e depois para um evento com 30. Em pouco mais de três anos, o IL cresceu ao ponto de ter hoje cerca de 600 militantes. Conseguiu, na primeira vez que concorreu às legislativas, mais de 60 mil votos e o direito a entrar no Parlamento para fazer “oposição ao socialismo”. O normal seria perder, dizem, ainda mais “num ano eleitoral tão intenso”, mas a eleição de João Cotrim Figueiredo, o cabeça de lista por Lisboa, “é a prova de que havia liberais politicamente órfãos em Portugal”.

De entre as várias marcas do partido, nenhuma é tão evidente como essa: liberalizar, liberalizar, liberalizar. A política, a economia, a sociedade. O IL pede “um Estado que não atrapalhe”, centrando o discurso na carga fiscal (a que chama “opressão fiscal”), na máquina burocrática e nos “vários países europeus onde o liberalismo foi implantado e deu certo”.

Como medidas principais, destacaram-se durante a campanha a taxa única de IRS de 15% (com isenção para quem ganha abaixo de 650 euros), o Salário Mínimo Municipal (definido pelos municípios, em vez de pela administração central) e a progressiva eliminação do IRC.

Às acusações de que são contra o Estado social, respondem que “as pessoas devem poder escolher para que hospitais vão, para que escolas vão os filhos” e que a opção entre público e privado “deve estar aberta a toda a gente”. Porém, adianta Cotrim Figueiredo, “o sistema como está só é sustentável se houver crescimento económico”. Para o IL, durante estes quatro anos, não houve. “E nem precisamos de esperar pelos próximos quatro: o PS fala num crescimento de 1,4% e dá-se por contente.” Por isso, por mais que seja prematuro falar em acordos com outros partidos, há um caminho que querem deixar claro. “O PS terá uma oposição diferente”.

O partido nasceu primeiro como “movimento”, à volta de um manifesto inspirado no Manifesto de Oxford, de 1947, um documento onde se leem as bases dos princípios liberais. A tentar perceber “se havia mais gente” a pensar da mesma forma, os primeiros membros criaram uma página na internet com uma estética e conceito iguais aos da Wikipédia (guarde esta informação, porque haveriam de repetir a fórmula). Na plataforma, cada pessoa podia dar um contributo, juntar ideias, rebater outras, até formar um corpo comum. Foi assim que nasceu o Manifesto Portugal + Liberal, apresentado perante uma plateia de 80 a 90 pessoas.

Desde essa altura que o IL tenta viver no mundo real e no virtual com o mesmo à vontade. “Crossmedia”, explica Rodrigo Saraiva, cruzar ferramentas que permitam passar de um para o outro. Os cartazes com frases e imagens criativas ou humorísticas são colocados na rua, mas vão invariavelmente parar às redes sociais. Dão força ao partido, admite. “Em tudo o que fazemos, temos sempre uma premissa: fazer diferente.”

A última prova veio na reta final da campanha, quando o partido distribuiu perto de 200 mil cartas por Lisboa e Porto, que se faziam passar por notificações da Autoridade Tributária (ou Autoridade Extorsionária, como lhe chamam). Não foi preciso esperar muito para que a história corresse pelo Twitter e o partido desse novo salto, como já havia dado quando colocou ao lado de um cartaz do PS, onde se lia a palavra “Cumprimos”, um outro a dizer “ComPrimos”.

“O nosso desafio foi sempre o da notoriedade”, reforça Saraiva, hoje membro da comissão executiva do partido. Desconhecidos do grande público, os membros levaram para o partido muito do que aprenderam fora dele. Há os “mais analíticos”, que procuram olhar para os números e descobrir onde atrair novos eleitores, e os mais criativos, que dão corpo às ideias em bruto. O trabalho em áreas criativas e a juventude dos seus quadros e dos próprios eleitores ficaram visíveis na noite eleitoral, onde a maioria dos presentes estava na casa dos 40 anos para baixo. E numa campanha onde, admite Cotrim Figueiredo, “uma das surpresas foi a adesão de quem estava a votar pela primeira vez”.

Fazendo jus à ideia de partido novo, o IL começou por existir apenas digitalmente, com uma declaração de princípios que depois levou ao Tribunal Constitucional, que por sua vez publicou o acórdão de criação do partido em dezembro de 2017.

O primeiro líder foi Miguel Ferreira da Silva, que saiu menos de um ano depois. Na altura, já o IL ‘namorava’ Carlos Guimarães Pinto, o atual líder. “Para quem gosta de ler sobre o liberalismo, o Carlos já era uma referência há muito tempo”, conta Rodrigo Saraiva, que o conhecia do blogue O Insurgente e do livro “O Economista Insurgente: 101 Perguntas Incómodas sobre Portugal” (escrito com Miguel Botelho Moniz e Ricardo Gonçalves Francisco).

O piscar de olho foi recíproco e teve um momento-chave no 25 de abril de 2018, quando Guimarães Pinto sugeriu ao partido que, em vez de descer a Avenida da Liberdade como faziam todos os outros, a subisse. O repto foi aceite. O IL não só estava a fazer diferente, como “a confundir as cabeças que gostam de pôr tudo em caixinhas”. Afinal, aquele grupo de liberais participava na marcha do 25 de abril, sem ironias (mesmo que em sentido inverso). Estávamos perante um liberalismo à esquerda ou à direita? Ao contrário do que outros pequenos partidos têm feito, o IL não se define como pós-ideológico, mas também recusa a divisão. Rodrigo Saraiva fecha assim: “Somos o único partido que celebra o 25 de abril e o 25 de novembro”.

O líder deste grupo que se define como de “rebeldes responsáveis”, Carlos Guimarães Pinto, é economista e foi a principal figura da campanha. Pouco habituado à política, foi cabeça de lista pelo Porto, onde o IL não conseguiu a eleição. Por Lisboa, João Cotrim Figueiredo marca a estreia do partido no Parlamento. Foi diretor-geral da TVI e presidente do Turismo de Portugal. Defende que este é “apenas a primeira de muitas vitórias” e que será “implacável” a defender a “voz do liberalismo”. Distribui os louros da vitória pela “gente voluntária altamente motivada” que o ajudou e pelo próprio presidente do partido. E diz que as ideias da Iniciativa Liberal, políticas ou de campanha, “vão ser copiadas”.

Chega

O partido antissistema estreia-se no Parlamento

<span class="creditofoto">Foto José Fernandes</span>

Foto José Fernandes

André Ventura, fundador do Chega!, o primeiro partido com um discurso de extrema-direita a chegar ao Parlamento, repetiu na campanha que queria ir buscar votos aos “descontentes com o sistema”. Convenceu 66.442 eleitores, elegendo um deputado – o próprio André Ventura – pelo círculo de Lisboa, distrito onde obteve 22.053 votos.

Mensagens como “Andamos a sustentar quem não quer fazer nada”, “100 deputados chegam e sobram” ou “Apenas 25 anos de prisão para monstros?”, escritas nos outdoors do partido, são o espelho de algumas ideias-chave que quis passar na campanha.

A necessidade de uma justiça mais punitiva – a castração química de pedófilos ou a instauração da pena de prisão perpétua são algumas das medidas propostas -, a necessidade de repensar os subsídios atribuídos (a comunidade cigana, por exemplo, é no discurso de Ventura um dos tais grupos que recebem apoios injustificados), ou ainda o ataque à própria classe política são temas fortes no discurso do partido.

Populismo? O ex-vereador da Câmara Municipal de Loures e comentador de futebol na CMTV nega-o. Diz apenas que os partidos tradicionais “já não respondem aos problemas das pessoas”. Ele próprio foi militante do PSD e acabou por desfiliar-se para fundar o seu projeto político e um partido que se assume como “nacional, conservador, liberal e personalista”.

Nas eleições europeias, quando concorreu coligado com o PPM, o Partido Cidadania e Democracia Cristã e o Movimento Democracia 21 conseguiu 49.500 votos (1,5% de votação). Agora ultrapassa os 66 mil e no discurso de vitória, este domingo à noite, estabeleceu nova fasquia: “Garanto que dentro de oito anos seremos o maior partido de Portugal”.

Para já, conseguiu 1,3% dos votos, com uma distribuição onde se destacam os concelhos de Sintra, Lisboa e Loures – foi aqui que obteve o maior número de votos em absoluto – mas também zonas do interior do Alentejo.

Alvito e Moura, no distrito de Beja, e Monforte e Elvas, no distrito de Portalegre, foram os concelhos onde o Chega! teve a sua maior votação em termos percentuais, entre os 4,5% e os 4,8%.