Europa

Reino Unido. Eleições antecipadas e/ou adiamento da saída da União Europeia?

Boris Johnson <span class="creditofoto">Foto Reuters</span>

Boris Johnson Foto Reuters

Parlamento britânico retoma atividade esta terça-feira e vai tentar impedir Brexit sem acordo, se preciso adiando-o por três meses. Boris Johnson estará a planear eleições antecipadas, que podem ser já no próximo mês

Texto PEDRO CORDEIRO

Enquanto o Governo do Reino Unido se reúne de surpresa (a convocatória, para as 17h, foi anunciada na manhã desta segunda-feira) e gera suspeitas de eleições gerais antecipadas — já alvitradas desde que o Partido Trabalhista admitiu apresentar uma moção de censura contra o primeiro-ministro, Boris Johnson —, as atenções voltam-se para 21 deputados conservadores dispostos a votar contra o Executivo do seu partido para evitar sair da União Europeia (UE) sem acordo.

O grupo, que inclui ex-ministros de Theresa May, antecessora de Johnson, não verga perante a ameaça de expulsão lançada por este último. Dele fazem parte Philip Hammond, que ocupou a pasta das Finanças entre 2016 e julho passado, e David Gauke, que era titular da Justiça.

Philip Hammond e David Gauke <span class="creditofoto">Foto Reuters</span>

Philip Hammond e David Gauke Foto Reuters

Aceitam alinhar com a oposição para obrigar o líder a adiar o Brexit se não conseguir acordo de saída, possivelmente por mais três meses, o que manteria o país na União Europeia até janeiro de 2020. Obter um novo acordo adivinha-se difícil para Johnson, dado que os demais Estados-membros não estão inclinados a aceitar a sua exigência de revogar as disposições sobre a Irlanda do Norte previstas no documento que firmaram com May.

Terça-feira, dia em que o Parlamento reabre (mas por pouco tempo, já que o líder do Governo decidiu suspendê-lo de 9 de setembro a 14 de outubro), a oposição tentará, com o apoio dos rebeldes conservadores, o agendamento potestativo de uma proposta legislativa para impedir um Brexit abrupto.

ADIAMENTO PODE SER ATÉ JANEIRO

O texto, a debater e votar quarta-feira, deverá exigir que o Executivo peça novo adiamento da saída aos 27 caso o prazo de 31 de outubro se aproxime sem que haja um acordo aprovado ou uma (muito improvável e várias vezes rejeitada) autorização parlamentar para sair sem acordo. Os críticos do Brexit duro dividem-se quanto a saber se o tempo adicional — indefinido, mas que poderia ser até 31 de janeiro de 2020, segundo a editora de política da BBC, Laura Kuenssberg — serviria para tentar renegociar os termos do Brexit ou para organizar um novo referendo.

Os votos dos 21 rebeldes são essenciais para, somados aos de trabalhistas, liberais, nacionalistas escoceses e galeses, verdes e independentes, travar as intenções de Johnson. De fora ficam os unionistas norte-irlandeses, que sustentam o Governo minoritário. “A possível votação de amanhã é uma expressão de confiança na posição negocial do Governo”, disse ao diário “The Guardian” uma fonte de Downing Street. Isto é, será tratada pelo Executivo como teste à sua própria viabilidade, podendo um êxito da oposição implicar a antecipação da ida às urnas, que normalmente aconteceria em 2022.

EXPULSÃO SUICIDA

Durante o fim de semana a imprensa britânica noticiou que Johnson estava disposto a expulsar do partido os deputados que votassem contra o Governo, medida que lhes encurtaria a carreira (ficariam impedidos de concorrer pelo partido na próxima eleição) mas também mataria a viabilidade do Executivo. Espera-se que após a reunião da tarde desta segunda-feira clarifique as intenções do primeiro-ministro.

Gauke, que diz nunca ter votado contra um governo da sua cor política em 14 anos na Câmara dos Comuns, mas desta vez justifica a desobediência: “Se estivermos numa posição privilegiada para influenciar as coisas, enquanto deputados, e não nos mexermos para tentar evitar a saída sem acordo, seremos cúmplices de algo que será muito prejudicial para o país”.

O antigo governante crê que as ameaças de expulsão visam “realinhar o Partido Conservador, transformando-o em algo muito parecido com um Partido do Brexit”. A seu ver, a estratégia de Johnson é “perder esta semana e tentar obter eleições gerais, tendo removido os que não estão contra sair da UE, mas julgam que devemos fazê-lo com um acordo”.

Com Gauke está a deputada Antoinette Sandbach. “Tenho sentimentos tão fortes sobre isto que estou disposta a arriscar o meu emprego”, comentou ao jornal “The Daily Telegraph”, a respeito das ameaças de expulsão.

ELEIÇÕES ANTES DO BREXIT

Que fará o Governo se o Parlamento aprovar uma iniciativa legislativa contra o Brexit sem acordo? É possível que se saiba após o Conselho de Ministros desta segunda-feira, a que se segue um encontro informal de Johnson com a bancada parlamentar conservadora.

Para convocar eleições antecipadas, ao abrigo da lei que fixa a duração das legislaturas, o primeiro-ministro precisaria de votos da oposição (para perfazer dois terços da Câmara dos Comuns). Tal só se afigura possível se a ida às urnas fosse antes de 31 de outubro, o dia previsto do Brexit, para dar tempo para um eventual novo Governo decidir que fazer. O mesmo defendeu a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, também líder do Partido Nacional Escocês.

Jeremy Corbyn <span class="creditofoto">Foto epa</span>

Jeremy Corbyn Foto epa

O líder trabalhista, Jeremy Corbyn, exige há meses que os britânicos sejam chamados às urnas. No entanto, o seu partido pode não apoiar a antecipação das eleições se ela for para depois da data do Brexit (na prática, provocando a sua consumação com ou sem acordo, como prometeu Johnson). “A nossa missão é muito clara: evitar a saída sem acordo. Se isso significa que não pode haver eleições gerais numa data particular, então a prioridade tem de ser travar a saída sem acordo. Não se trata de beneficiar o Partido Trabalhista, mas de evitar desemprego em massa”, explicou a dirigente Jenny Chapman. Pensa, contudo, que eleições gerais (leia-se, antes de 31 de outubro) podem ser “uma das poucas formas de evitar a saída sem acordo”.

A aprovação por dois terços dos deputados não é a única forma de provocar eleições. Se a Câmara dos Comuns aprovar uma moção de censura contra Johnson (que Corbyn promete apresentar caso a legislação referida acima não passe), há um prazo de 14 dias para formar novo Governo, caso contrário o país vai a votos (e aí é o Governo quem escolhe a data).

Caso uma moção de censura singrasse, Corbyn tentaria formar um Executivo interino, com apoio da restante oposição, apenas para resolver a questão europeia. O esforço seria hercúleo, dadas as resistências que a sua figura de esquerdista (e pouco amigo da UE) suscita em vários partidos e inclusive em faixas do seu.

Jornais britânicos chegaram a apontar nomes alternativos para chefiar esse Governo, o que só aconteceria com a aquiescência do trabalhista. Entre eles estavam a sua camarada Yvette Cooper ou o conservador Kenneth Clarke. Mas este, o deputado há mais tempo em funções em Westminster e um dos mais europeístas, já afirmou que até aceitaria Corbyn como primeiro-ministro se tal fosse necessário para evitar um Brexit duro. Tal é o redemoinho que este quebra-cabeças gera na política britânica.