Cimeira de Biarritz

G7. Um pequeno tornado iraniano e o apoio ao combate ao fogo na Amazónia

<span class="creditofoto">Donald Trump, Emmanuel Macron e Angela Merkel numa das sessões da cimeira do G7 Foto Reuters</span>

Donald Trump, Emmanuel Macron e Angela Merkel numa das sessões da cimeira do G7 Foto Reuters

Uma ajuda de emergência para combater os incêndios na Amazónia, uma troca azedíssima de palavras entre o anfitrião, Emmanuel Macron, e o ausente Bolsonaro, uma visita-surpresa do chefe da diplomacia iraniana e um punhado de promessas de Trump ao Reino Unido pós-Brexit e ao Japão. A cimeira do G7 terminou esta segunda-feira em Biarritz sem uma declaração conjunta substantiva, o que já vai sendo hábito na era Trump

Texto Hélder Gomes

A coreografia dos líderes das sete economias mais avançadas do mundo no seu encontro anual, desta vez na cidade francesa de Biarritz, foi perturbada pela passagem-relâmpago do ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif. A convite do Presidente francês, Emmanuel Macron, o governante da República Islâmica esteve reunido no domingo, à margem da cimeira do G7, com vários dirigentes, incluindo o anfitrião do encontro.

Fazle Chowdhury, professor da Bay Atlantic University e investigador do Global Policy Institute, em Washington, comenta ao Expresso que a visita pareceu “um galanteio do Governo francês em duas frentes”. “Enquanto o ministro francês dos Negócios Estrangeiros assumiu a liderança na sua valsa com Javad Zarif, Macron tentou entreter e possivelmente distrair o comandante supremo do Twitter, Trump”, ironiza.

O Presidente francês na conferência de imprensa do final da cimeira <span class="creditofoto">Foto Epa</span>

O Presidente francês na conferência de imprensa do final da cimeira Foto Epa

Macron tem liderado os esforços para atenuar as tensões provocadas pela decisão do Presidente do EUA de sair do acordo internacional de 2015. O Plano de Ação Conjunto Global prevê o alívio das sanções a Teerão em troca de concessões assinaláveis no programa nuclear iraniano. Após a retirada unilateral, Washington voltou a impor sanções ao Irão, designadamente nos sectores petrolífero e bancário. Em julho, as sanções incidiram também sobre o chefe da diplomacia, bloqueando-lhe o acesso a qualquer bem ou interesse nos Estados Unidos. Um ano após o anúncio da retirada do acordo, Teerão começou a violar alguns dos compromissos nele assumidos.

Zarif não se encontrou com a delegação americana e circularam informações contraditórias sobre o conhecimento de Trump do convite feito ao governante iraniano. Segundo uma fonte do Palácio do Eliseu, o Presidente francês decidiu convidar o ministro após um jantar de líderes no sábado, o primeiro dos três dias da cimeira. O convite foi feito “em acordo com os EUA”, garantiu a fonte à AFP, contradizendo a alegação da Casa Branca de que Trump não havia sido informado sobre a chegada de Zarif. “Nós teremos a nossa própria abordagem mas não posso impedir ninguém de falar. Se querem conversar, podem conversar”, disse o Presidente norte-americano, que esta segunda-feira emendou a mão e disse que Macron não tinha sido “desrespeitoso de todo”, especialmente depois de lhe ter pedido “aprovação” para a visita do ministro iraniano.

PARIS TEM “AGORA UMA LINHA DIRETA COM TEERÃO”

“A delegação americana deve ter sido afetada pelos ventos suaves da elegante cidade costeira, enquanto, a alguma distância da cimeira, as delegações francesa e iraniana sorriam para as fotografias com café e bolos. Os americanos poderão chamar a isto ‘dois pesos e duas medidas’ mas, para os franceses, é a linguagem da diplomacia”, descreve o investigador de Washington e autor do livro “Promises of Betrayals: The History That Shaped the Iranian Shia Clerics” (2018).

Avião iraniano na pista do aeroporto de Biarritz, aonde o ministro dos Negócios Estrangeiros chegou de surpresa no domingo <span class="creditofoto">Foto Reuters</span>

Avião iraniano na pista do aeroporto de Biarritz, aonde o ministro dos Negócios Estrangeiros chegou de surpresa no domingo Foto Reuters

Os encontros são um sinal de que “enquanto os líderes europeus ainda desejam salvar o acordo e impedir a todo o custo que o Irão desenvolva armas nucleares, os EUA irão manter a ‘pressão máxima’ para enfraquecer o regime dos ayatollahs”, acrescenta. E o que ganha o Presidente francês? “O momento é ideal e o Governo de Macron está a fazer bom uso disso. Os reformistas iranianos lutam pelo seu lugar nas eleições legislativas de 2020. E o Presidente francês pode reclamar os louros por Paris, e não Washington, ter agora uma linha direta com Teerão”, avalia Chowdhury.

Na sua alocução final, Macron disse esperar que “nas próximas semanas, com base nestas conversações, seja possível fazer acontecer uma cimeira entre o Presidente [iraniano] Rouhani e o Presidente Trump”.

“UM PRESIDENTE QUE SE COMPORTE À ALTURA DO CARGO”

Um dia depois do pequeno tornado iraniano, os líderes do G7 concordaram em disponibilizar um fundo de emergência para o envio de aviões de combate aos fogos na Amazónia e para a sua reflorestação. No total, são 20 milhões de dólares (cerca de 18 milhões de euros), uma quantia decidida na ausência de Trump, que enviou assessores em seu lugar. Ou não fossem as alterações climáticas um dos grandes fossos entre a Europa e os EUA... mas também o Brasil.

Macron tinha avisado que faria daqueles incêndios – nas suas palavras, uma “crise internacional” – um dos focos da cimeira, o que lhe valeu a acusação por parte do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de “mentalidade colonialista”. Mas a coisa azedou ainda mais. “Macron não está à altura deste embate. É apenas um calhorda oportunista, buscando apoio do lobby agrícola francês”, escreveu no Twitter o ministro brasileiro da Educação, Abraham Weintraub, que caracterizou França como “uma nação de extremos”. “Gerou homens como Descartes ou Pasteur, porém também os voluntários da Waffen SS Charlemagne [braço armado do Partido Nazi]. País de iluministas e de comunistas”, acrescentou.

Mas houve mais: aproveitando a boleia de um utilizador do Facebook, que comparou a beleza das primeiras damas brasileira e francesa, Bolsonaro, em tom jocoso, pediu ao internauta: “Não humilha, cara.” Visivelmente irritado, Macron disse esta segunda-feira, em conferência de imprensa: “Ele mentiu sobre o clima e fez insinuações sem qualquer respeito sobre a minha mulher. É triste, é triste para ele e para os brasileiros. Penso que as brasileiras e os brasileiros têm vergonha deste Presidente e, como eu tenho grande estima pelo povo brasileiro, espero que este tenha brevemente um Presidente que se comporte à altura do cargo.”

Também a guerra comercial entre Washington e Pequim deu que falar e novamente com declarações desencontradas. Trump admitiu ter reconsiderado a subida das taxas alfandegárias sobre produtos chineses, mas a sua porta-voz afirmaria mais tarde que o Presidente só se arrepende de não ter imposto taxas ainda mais elevadas. Enquanto isso, Trump e o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, firmaram um acordo comercial de princípio que esperam assinar no próximo mês.

BREXIT DISCUTIDO NUMA CIMEIRA DE “TREMENDA UNIÃO”

O Brexit ocupou naturalmente a agenda da cimeira e Trump prometeu ao primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, “um acordo comercial muito grande” após a saída do Reino Unido da União Europeia (UE). “A pouco mais de 60 dias do Brexit, o Governo britânico tinha duas prioridades: comunicar firmemente aos parceiros da UE que a questão da fronteira irlandesa precisa de ser resolvida sem o ‘backstop’ e estabelecer as bases de um acordo de comércio livre entre o Reino Unido e os EUA que seja aceitável internamente”, refere ao Expresso o diretor do EPICENTER – Centro de Informações de Política Europeia, Adam Bartha.

“Nenhuma das tarefas é fácil. Os líderes europeus estão muito céticos quanto à capacidade de se encontrarem soluções alternativas para resolver a questão da fronteira. E embora Trump tenha dado uma perspetiva positiva às futuras relações comerciais, a Administração americana deverá pressionar para a adoção de políticas que são difíceis de vender internamente no Reino Unido”, sinaliza Bartha. “Essas políticas incluem reformas liberalizadoras do serviço nacional de saúde e o reconhecimento mútuo de padrões de segurança alimentar”, exemplifica.

Nas suas declarações finais, Trump agradeceu a Macron pelo “trabalho incrível” numa cimeira “verdadeiramente bem-sucedida”, onde houve uma “tremenda união”. Apesar disso, a reunião do G7 terminou sem uma declaração conjunta substantiva, apenas um documento de uma página contendo o acordo para a ajuda financeira à Amazónia. Esta é a segunda vez desde 1975 que a cimeira termina sem o tal comunicado em que devem constar os valores partilhados pelos sete países. O comércio, as alterações climáticas e o Irão atravessaram-se no caminho de Trump e dos restantes líderes.

No próximo ano, o anfitrião será ele, tendo já sugerido o seu resort de Doral, em Miami, como local para acolher a cimeira. Trump também manifestou vontade de ver a Rússia de volta ao clube que inclui Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido. A acontecer o regresso da Rússia, suspensa desde que anexou a Crimeia em 2014, o G7 voltará a ser o G8.