Hong Kong

Assalto ao aeroporto com uma preocupação em mente: o futuro do território após 2047

Terminal do Aeroporto Internacional de Hong Kong tomado, esta segunda-feira, por manifestantes <span class="creditofoto">Foto Tyrone Siu / Reuters</span>

Terminal do Aeroporto Internacional de Hong Kong tomado, esta segunda-feira, por manifestantes Foto Tyrone Siu / Reuters

Os protestos em Hong Kong conquistaram, esta segunda-feira, um palco inédito com milhares de pessoas a bloquearem o aeroporto, um dos mais movimentados do mundo. Pequim afirmou que a escalada dos protestos revela “sinais de terrorismo”

Texto Margarida Mota

Milhares de manifestantes subiram, esta segunda-feira, a fasquia dos protestos em Hong Kong e ocuparam o terminal do aeroporto da cidade — o oitavo mais movimentado do mundo. Vestidos de negro, rumaram ao aeroporto após o meio-dia e sentaram-se no chão do terminal, inviabilizando a circulação característica de passageiros e trolleys.

Há quatro dias que já havia manifestantes no aeroporto. Andavam por ali pacificamente, distribuindo panfletos aos turistas para os sensibilizar para a sua causa. Esta segunda-feira, o reforço de ativistas obrigou ao cancelamento de todas as partidas previstas, afetando cerca de 180 voos.

Em cartazes ou através de gritos de ordem, os manifestantes justificaram a ação com a revolta provocada pela brutalidade da polícia na véspera. Uma nova jornada de protestos redundou em violência inédita, com a polícia a lançar gás lacrimogéneo dentro de estações de metro. Há também notícias de que foram disparadas balas de pimenta a curta distância.

Entre os manifestantes feridos, está uma mulher “alegadamente atingida por um saco de feijão [uma arma supostamente não-letal usada pela polícia para neutralizar os manifestantes] na zona de Tsim Sha Tsui”, lê-se na publicação “South China Morning Post”. “Um médico conhecedor do caso disse que ela pode perder o olho direito.”

No aeroporto, muitos manifestantes solidários taparam um olho com gaze, outros mostravam cartazes com um olho desenhado e em algumas paredes havia grafitis onde podia ler-se “olho por olho”.

Uma manifestante solidária com a mulher ferida no domingo tapa um olho e pergunta: “Onde está o meu olho direito?” <span class="creditofoto">Foto Jerome Favre / EPA</span>

Uma manifestante solidária com a mulher ferida no domingo tapa um olho e pergunta: “Onde está o meu olho direito?” Foto Jerome Favre / EPA

Com o cair da noite, o número de manifestantes não ia além das centenas. A Autoridade Aeroportuária informou que espera que os voos sejam normalizados pelas seis da manhã desta terça-feira.

“Há muita revolta após a atuação da polícia no domingo”, diz ao Expresso Evan Fowler, um cidadão de Hong Kong a viver no Reino Unido. “É incerto o que os manifestantes pretendem fazer agora. O rumor / ameaça de bloqueio por parte da polícia pode ser determinante.”

A China reconheceu, esta segunda-feira, que a situação em Hong Kong atingiu um “ponto crítico” e que a escalada das ações dos manifestantes — a quem Pequim chama “desordeiros” — revela “sinais de terrorismo”, em especial contra as forças policiais. No domingo, um agente ficou ferido atingido por um cocktail Molotov arremessado pelos manifestantes.

Nas ruas, a radicalização dos protestos atinge polícia e também manifestantes <span class="creditofoto">Foto Jerome Favre / EPA</span>

Nas ruas, a radicalização dos protestos atinge polícia e também manifestantes Foto Jerome Favre / EPA

“Este tipo de atividade criminosa violenta tem de ser combatida de forma enérgica no respeito pela lei, sem hesitação ou compaixão”, afirmou Yang Guang, porta-voz do Gabinete dos Assuntos de Hong Kong e Macau, do Governo chinês.

Em conferência de imprensa esta segunda-feira, a polícia de Hong Kong informou que, desde sexta-feira, foram presas 149 pessoas, acusadas de reunião ilegal ou ataque à polícia, entre outros. A libertação dos detidos — destes e de outros protestos passados — é outro ponto do rol de exigências dos manifestantes.

Dois meses nas ruas

Os protestos em massa estão nas ruas de Hong Kong desde 9 de junho. O gatilho foi uma nova lei da extradição, proposta pelo Governo local, que colocaria os cidadãos à mercê de serem transferidos e julgados na China Continental.

Mas desde então, e perante a recusa do Governo em retirar definitivamente a lei do circuito legislativo — apenas a suspendeu —, os manifestantes têm ampliado as exigências. Passaram a pedir a demissão da chefe do Governo Carrie Lam, o rosto da lei da extradição em quem não confiam e a quem encaram como porta-voz e ‘um pau mandado’ de Pequim.

No domingo, a polícia antimotim usou spray de pimenta para dispersar os manifestantes <span class="creditofoto">Foto Tyrone Siuong / Reuters</span>

No domingo, a polícia antimotim usou spray de pimenta para dispersar os manifestantes Foto Tyrone Siuong / Reuters

Em pano de fundo, há uma preocupação permanente que toma os manifestantes: o futuro do território após 2047. Até 1997, Hong Kong foi uma colónia cedida ao Império Britânico pela dinastia Qing, no fim da Primeira Guerra do Ópio, em 1842. Há 22 anos, Londres e Pequim acordaram a transferência de soberania para a China, passando Hong Kong a beneficiar — durante 50 anos — de um estatuto especial com elevado nível de autonomia, a nível executivo, legislativo e judicial.

Essa fórmula “um país, dois sistemas” não confere aos cidadãos de Hong Kong o direito a elegerem o chefe de Governo por voto direto e universal — outra exigência dos manifestantes. Mas permite-lhes que protestem nas ruas como não é possível em nenhuma outra parte da China — o que têm feito em defesa das liberdades que (ainda) têm e em nome da uma maior democracia (que desejam). Com 2047 em mente, sabem que o tempo corre a favor do regime de Pequim.