Política
Golas antifumo, incêndios, viagens e primos: as polémicas que fizeram cair membros do Governo Costa
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Política
Golas antifumo, incêndios, viagens e primos: as polémicas que fizeram cair membros do Governo Costa
Fotomontagem João Melancia
Da promessa de “bofetadas” que fez cair João Soares ao caso das golas antifumo, uma sucessão de polémicas provocou uma série de saídas neste Governo. O elenco governativo, e os seus gabinetes, acabam com um aspeto bastante diferente do inicial
Texto Mariana Lima Cunha
Cinco meses: foi este o tempo que o Governo de António Costa aguentou antes da primeira demissão motivada por uma polémica envolvendo um seu membro (no caso, um ministro que ofereceu, via Facebook, umas “salutares bofetadas” a dois colunistas). Mas das bengaladas à nomeação de primos, passando pelos fogos de 2017 ou o caso de Tancos, as pequenas remodelações forçadas foram-se sucedendo, deixando o aspeto do elenco governativo (e dos seus gabinetes) bastante diferente do que era em novembro de 2015. Esta segunda-feira deu-se o caso mais recente: a demissão de Francisco Ferreira, adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil, graças à polémica das golas inflamáveis, depois de um passa-culpas que agitou todo o fim de semana político.
O responsável pelas golas
Foto Ana Baião
A questão dominou os últimos dias: afinal, quem é que ordenou a compra e distribuição de 70 mil golas antifumo fabricadas com materiais inflamáveis? A primeira reação do Governo foi desvalorizar uma notícia que considerou “alarmista” e “irresponsável”, apenas para depois ordenar a abertura de um inquérito e, através do secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, assegurar que a culpa seria da Autoridade Nacional de Proteção Civil, supostamente responsável pela encomenda das golas à empresa Foxtrot Aventura (do marido de uma autarca socialista).
Mas esta segunda-feira o “Jornal de Notícias” noticiou que Francisco Ferreira, adjunto de José Artur Neves, recomendou as empresas em questão para a compra dos elementos do kit de proteção. E avançou outros pormenores sobre o currículo de Francisco Ferreira, que tem o 12º ano e trabalhava como padeiro numa pastelaria de Vila Nova de Gaia até ter sido, em 2017, nomeado como técnico especialista para o Governo.
A demissão estava por horas: também esta segunda-feira, a Lusa dava conta de um comunicado do gabinete de Artur Neves que comunicava o pedido de demissão - já aceite - do seu adjunto.
O fator Azeredo
Foto Marcos Borga
“No limite, pode não ter havido furto nenhum.” A frase, dita por Azeredo Lopes em entrevista ao “Diário de Notícias” e à “TSF” em setembro de 2017, três meses depois do desaparecimento de material militar nos paióis de Tancos, tornou-se uma das mais marcantes de todo o caso. Mas só muito depois chegariam as consequências para o então ministro da Defesa - e as acusações de saber muito mais do que revelara sobre o tal furto.
Apesar de a oposição ter desde o início tentado politizar a polémica, que chegou a motivar a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito, só um ano depois, em outubro de 2018, se deu a saída de Azeredo do Governo. Na altura, já se questionava a informação que teria - e que teria ou não comunicado ao primeiro-ministro - sobre a forma ilegal como a Polícia Judiciária Militar recuperou o material roubado, numa operação paralela à ordenada pelo Ministério Público. E Azeredo pediu para sair.
Mas o caso não ficou por aqui: este mês, o ex-ministro foi constituído arguido. O MP acredita mesmo que o ex-governante soube desde o início dos planos para recuperar as armas negociando com os ladrões e sem envolver a PJ, supostamente responsável pelo processo.
Os fogos e o empurrão de Marcelo
Foto Tiago Miranda
Foi uma demissão que esteve para acontecer, segundo a ex-ministra Constança Urbano de Sousa, durante meses, a pedido da própria. Mas acabou mesmo por se concretizar com um empurrão de Marcelo Rebelo de Sousa. Depois de um verão de muitas críticas ao seu ministério - o da Administração Interna - na sequência dos fogos de Pedrógão, e de ser segurada pelo primeiro-ministro, Constança Urbano de Sousa viu a cena repetir-se nos também devastadores fogos de outubro do mesmo ano. Aconteceram a 15, a ministra saiu a 18. Horas antes, o Presidente da República dera um recado duro e claro numa declaração ao país: seria preciso abrir “um novo ciclo” - e o Governo deveria ponderar “quem” serviria melhor essa nova etapa. Constança já não tinha lugar.
As viagens para ver a bola
Rocha Andrade Foto Alberto Frias
Conhecido como Galpgate, foi um dos casos que agitaram o Governo no mesmo verão de 2017 - até porque precipitou uma saída tripla do Executivo. Em causa estiveram as viagens pagas pela Galp aos secretários de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, e da Indústria, João Vasconcelos (falecido em março deste ano) para assistirem a jogos do Euro2016, em França. Em 2017, os três pediram a exoneração e a constituição como arguidos no processo. A polémica já tinha tido uma consequência: a criação de um código de conduta que obrigava os governantes a rejeitarem ofertas de valor superior a 150 euros.
O primo nomeado
Carlos Martins Foto d.r.
Primeiro uma demissão, depois outra. Em abril deste ano, a nomeação pelo secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, do seu primo Armindo Alves, para adjunto do seu gabinete, começou por provocar a queda de Armindo Alves.
Na altura, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, chegou a considerar, num esclarecimento enviado ao “Observador”, que a situação estava assim “resolvida”. E segurou o seu governante. Durou pouco: num Governo abalado pelo familygate, Carlos Martins acabou mesmo por cair logo de seguida.
A promessa de bofetadas
João Soares Foto José Caria
Mas antes das nomeações de familiares, das viagens para ver futebol ou do caso de Tancos, a primeira demissão devido a um escândalo no Governo começou… via Facebook. Foi na rede social, em abril de 2016, que João Soares, primeiro dos três ministros da Cultura deste Governo, prometeu um par de “salutares bofetadas” aos colunistas do “Público” Augusto M. Seabra e Vasco Pulido Valente, que tinham criticado a sua nomeação para a pasta da Cultura. Graças a este episódio, só ocupou o cargo por cinco meses.
Até porque o primeiro-ministro deixou um recado muito público sobre o caso: “Obviamente já recordei aos membros do Governo que enquanto membros do Governo nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo, e portanto devem ser contidos na forma como expressam as suas emoções.” Depois da recomendação de contenção, João Soares pediu a demissão, inaugurando a sequência de casos que fizeram o Governo mudar de caras.
Da promessa de “bofetadas” que fez cair João Soares ao caso das golas antifumo, uma sucessão de polémicas provocou uma série de saídas neste Governo. O elenco governativo, e os seus gabinetes, acabam com um aspeto bastante diferente do inicial