Caça à baleia

E se depois de irem observar cetáceos a alto mar lhe perguntassem onde podiam ir comer golfinho?

Uma baleia-anã morta em águas nipónicas, içada no porto de Kushiro, Hokkaido, no primeiro dia do reinício da pesca comercial no Japão <span class="creditofoto">Foto EPA/JIJI PRESS</span>

Uma baleia-anã morta em águas nipónicas, içada no porto de Kushiro, Hokkaido, no primeiro dia do reinício da pesca comercial no Japão Foto EPA/JIJI PRESS

A frota japonesa recomeçou a caça à baleia esta segunda-feira, seis meses depois de ter saído da Comissão Baleeira Internacional e 30 anos depois da proibição por este organismo. Mas no atlântico Norte há frotas escandinavas que também matam algumas espécies do grande mamífero marinho

Texto Carla Tomás

No fim de um passeio de observação de golfinhos e baleias ao largo do Faial e do Pico, nos Açores, duas senhoras japonesas perguntaram a Norberto Serpa, o empresário faialense que as levara no passeio náutico de observação e sensibilização para a conservação de cetáceos, onde poderiam comer carne de golfinho. A questão caiu como um murro no estômago de Norberto Serpa. “Tive de lhes explicar que nos Açores deixámos de comer golfinho desde meados dos anos 80, quando passou a ser proibido, mas o que mais me surpreendeu foi ver duas professoras universitárias tão simpáticas a fazerem aquela pergunta depois de terem andado a nadar com golfinhos”, conta.

Esta história tem uns quatro anos, mas a sua memória foi avivada com as notícias do reinício da caça comercial à baleia no Japão. “É tudo uma questão de consciência e de cultura”, assume Noberto Serpa, lembrando que quando era miúdo, “tudo se aproveitava dos golfinhos”, então um recurso alimentar, enquanto que dos cachalotes retiravam o óleo para ser exportado e transformado em combustível ou lubrificantes ou utilizado na indústria de cosmética ou farmacêutica e a carne, quando muito, servia para adubar a terra. Depois foi para a Universidade dos Açores e a sua perspetiva e o respeito pela natureza mudou.

Com a entrada em vigor da suspensão da caça de todas as espécies de baleias, decretada em 1986 pela Comissão Baleeira Internacional, a baleação açoriana foi substituída pela observação de cetáceos, revelando-se uma atividade muito mais sustentável e lucrativa nos Açores.

<span class="creditofoto">foto EPA</span>

foto EPA

Consumo em queda

Os japoneses acham que vão atrair turistas para comer carne do grande mamífero marinho, segundo alguns relatos na imprensa internacional. Certo é que o consumo interno no Japão tem estado em queda. Em 2018, a carne de baleia representava 0,1% da carne consumida, ficando o consumo anual por não mais de cinco mil toneladas, quando em 1986 ultrapassava as seis mil toneladas e em 1962 as 200 mil toneladas.

O diretor de conservação marinha do International Fund for Animal Welfare, Patrick Ramage, considera, por isso, que o Japão está perante uma tradição culinária em queda. Na interpretação de Ramage, exposta numa conferência de imprensa esta semana, em Tóquio, a decisão do Governo japonês, paradoxalmente, “serve para salvar a face de um prenúncio do fim da caça à baleia”, já que os apoios à caça “científica” vão acabar e o preço da carne vai disparar.

Apesar da suspensão decretada a nível internacional, os japoneses usaram durante 30 anos uma moratória que lhes permitiu manter a caça à baleia em águas internacionais sob o pretexto do “interesse científico”. No fim abasteciam as arcas frigoríficas dos supermercados.

Em dezembro de 2018, o Governo de Shinzo Abe anunciou a saída do Japão da Comissão Baleeira Internacional, para caçar sem subterfúgios. E, na madrugada desta segunda-feira, cinco navios baleeiros partiram do norte do país para a caça à baleia. Agora, a frota nipónica está limitada às águas costeiras do país. Não podem sair da zona económica exclusiva do Japão, nem caçar mais de 227 exemplares por ano. Os números oficiais indicam que no ano passado mataram cerca de 500 baleias para fins ditos “científicos”.

Sete em cada 10 baleias estão ameaçadas

“Restringir a caça a uma área onde o 'stock' não é abundante coloca novas pressões sobre estas espécies”, lembra Mónica Silva, bióloga da Universidade dos Açores. Apesar de a baleia-anã (a espécie mais comercializada no Japão) não estar entre as mais vulneráveis, “a caça é uma ameaça com efeitos cumulativos”, sublinha a especialista em cetáceo, lembrando que o stock nunca mais recuperou desde que a caça à baleia começou.

Os cientistas estimam que sete em cada 13 espécies de baleias estão ameaçadas de extinção ou em situação vulnerável. A contribuir para esta ameaça estão a poluição dos mares, as alterações climáticas, as colisões com navios e a sobrepesca.

O massacre na Europa

Enquanto que os olhos internacionais estão postos por estes dias no Extremo Oriente, “as pessoas esquecem que na Europa também se caçam baleias e exportam a sua carne para o Japão”, lembra criticamente Norberto Serpa. O empresário e ambientalista açoriano explica que as baleias mortas pelos escandinavos são do stock do Atlântico, ou seja , “também são nossas”. E por isso defende que “a União Europeia devia ter uma mão dura que não tem com estes casos”.

A Noruega e a Islândia têm autorização dos respetivos Governos para lançar os arpões contra os grandes mamíferos marinhos que nadam nas suas águas. Na Islândia, o ministro das Pescas autorizou a caça de 209 baleias comuns e 217 baleias anãs entre 2018 e 2025. E com o argumento de “interesse cultural”, a Dinamarca mantém legal o massacre de centenas de baleias-piloto que todos os verões ocorre nas ilhas Faroe.