Entrevista

Maria Fernanda Espinosa presidente da Assembleia Geral da ONU

“Há muitos Parlamentos em que 75% dos deputados ainda são homens”

A equatoriana Maria Fernanda Espinosa é a atual presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas

A equatoriana Maria Fernanda Espinosa é a atual presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas

É poeta, feminista, e em termos simbólicos uma das mulheres mais influentes do mundo. O seu empenho na luta contra as alterações climáticas podem fazer com que a equatoriana que preside à Assembleia Geral das Nações Unidas venha a ser recordada como a mulher que acabou com os plásticos de utilização única no refeitório da sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Maria Fernanda Espinosa falou com o Expresso sobre os direitos das mulheres

Texto Manuela Goucha Soares Foto Nuno Botelho

Levou algum tempo até conseguir acabar com a utilização de plásticos de uso único na sede das Nações Unidas, em Nova-Iorque. “Tive de lidar com a burocracia da ONU mas estou contente por deixar este pequeno legado, que só foi possível graças ao apoio do secretário-geral, António Guterres. Maria Fernanda Espinosa conversou com o Expresso em castelhano e fez o balanço do trabalho feito sobre os direitos das mulheres, nos primeiros nove meses do seu mandato. Em setembro deixa o cargo que já foi ocupado pelo português Diogo Freitas do Amaral [1995] e parte para uma nova etapa da sua vida profissional, onde continuará a abraçar causas como o combate às alterações climáticas, a defesa dos direitos das mulheres, migrantes e refugiados, e a defender que a solução para os grandes desafios do planeta passa pelo “multilateralismo”.

É a quarta mulher eleita Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas em 73 anos de vida desta organização. Quer comentar este facto, que evidencia um menor acesso das mulheres a cargos de topo?

O ter havido quatro mulheres em 73 anos não é suficiente, e mostra que temos de fazer muito mais. Curiosamente, somos todas de países do Sul: a primeira foi da Índia [Vijaya Lakshmi Pandit, 1953], a segunda da Libéria [Angie Brooks, 1969], a terceira do Bahrein [Haya Rashed Al Khalifa, 2006], e eu sou a quarta.

Dentro da executivo da ONU tivemos vários avanços [nos últimos anos], graças a um compromisso político direto do secretário-geral. António Guterres é o maior feminista das Nações Unidas; num ano e meio conseguiu total paridade nos postos de alta direção da ONU. Agora estamos a tentar fazer o mesmo em todas as áreas de operação das Nações Unidas, incluindo a Assembleia Geral. Mas ainda há muito para fazer; este ano, das seis comissões especializadas da ONU, só a das Finanças é presidida por uma mulher, que é a embaixadora da Austrália. No próximo exercício, lamentavelmente, não vai haver nenhuma comissão presidida por uma mulher

Isso não é bom para promover a paridade...

Não é bom; enquanto Presidente enviei uma carta aos Estados-membros recomendando que promovessem as embaixadoras mulheres para ocupar os cargos de presidência nas comissões especializadas. Temos muito trabalho pela frente. O facto de eu ser mulher e ser presidente da Assembleia Geral foi uma grande honra, mas também uma grande responsabilidade. O tema dos direitos das mulheres, do empoderamento e do seu papel na vida política [e pública] foram prioridades [desde que fui eleita].

O que pode fazer um órgão como a Assembleia Geral das Nações Unidas para promover a paridade e igualdade de género?

Criei um grupo de mulheres assessoras da presidência, oriundas de várias zonas do mundo e diversos sectores de atividade; são dez mulheres bastante conhecidas, como é o caso da primeira-dama de Angola [Ana Dias Lourenço, antiga ministra do Planeamento e ex-diretora-executiva do Banco Mundial], Helen Clark [ex-primeira-ministra da Nova Zelândia], e Natalia Vodianova [top model russa que fundou a ONG Naked Heart], entre outras, para que sugiram o que se deve fazer. Também convoquei a primeira cimeira de mulheres Chefes de Estado ou de Governo; das 19 que existem, estiveram 10 presentes – para partilharem as suas próprias experiências de líderes com mulheres mais jovens; o objetivo é fazer uma chamada à ação, um ‘call for action’ para promover a presença de mulheres e romper barreiras de discriminação que existem em tantos países. Há muitos Parlamentos no mundo em que 75% dos deputados ainda são homens. Nas 500 empresas mais importantes do mundo, só 25 é que têm mulheres como CEO. Tudo isto mostra que há muito trabalho para fazer para promover a participação das mulheres na política e em todas as áreas de decisão.

E no que toca à violência doméstica e às refugiadas e deslocadas?

Fizemos um trabalho de proximidade com a ONU Mulheres para combater todas as formas de violência e discriminação. Os índices de feminicídio a nível mundial continuam a crescer; os temas de assédio às mulheres nos espaços profissionais e escolares existem, tal como a violência doméstica. Também estamos a apoiar os esforços do Conselho de Segurança no que toca [a garantir direitos] às mulheres em zonas de conflito.

Podemos dizer que é feminista?

Sim. Não tenho qualquer problema em reconhecer que sou feminista. É um trabalho de muitos anos; em toda a minha carreira pública estive empenhada nos direitos das mulheres e na paridade. Quando fui ministra da Defesa criei a primeira política de igualdade de género nas Forças Armadas do Equador, e quando fui ministra das Relações Exteriores também criei a primeira política de igualdade de género na carreira diplomática. Devo dizer que estes dois mundos são muito parecidos....