Testemunho
“Sabes, filho, estive a pensar: devia ter casado com o Camilo ou contigo.” Agustina, por António Lobo Antunes
É um depoimento cheio de humor e admiração: António Lobo Antunes, ele próprio um dos grandes mestres da palavra, escreve sobre a rainha Vitória - perdão, Agustina Bessa-Luís -, de quem era muito amigo. Um texto fundamental para ler no dia da morte da escritora. António Lobo Antunes escreveu o prefácio de “Vale Abraão”, livro de Agustina reeditado em 2017 pela Relógio D’Água
Depoimento recolhido por Ana Soromenho
Um dia no Porto, à porta da livraria Lello, estava muito gente cá fora e vi uma senhora pequenina, mais ou menos da idade da minha mãe, que me chamou a atenção. Tinha o ar de estar à minha espera e fiquei muito espantado, não sabia quem era. Veio ter comigo e disse: ‘Venho dar-lhe as boas-vindas em nome do Porto’. Isto é curioso e engraçado e até fascinante, porque reflete a opinião que Agustina tinha dela mesma. De facto ela era o Porto. Um certo Porto que transformou no território ficcional dela e com o qual fez livros extraordinários.
Ainda continua a ser altura de os portugueses a lerem. A obra dela não vai morrer e tenho muito orgulho em ter tido uma pessoa que gostava de mim e que era uma pessoa com tanta qualidade como ela. Passou-se isto com poucas pessoas da geração anterior à minha. Passou-se isto com o Eugénio (de Andrade), de quem também era muito amigo. Mas com a Agustina foi imediato. Foi um amor à primeira vista. Uma vez, era júri de um prémio e ela telefona-me: ‘Olha, filho, tens de vir aqui receber o Prémio Namora’. Respondo: ‘Não me apetece nada’. Quando me disse que ela era presidente do júri, fui. Não era capaz de lhe dizer que não a nada. Tinha coisas tão engraçadas.
Uma outra vez disse-me: ‘Sabes, filho, estive a pensar: devia ter casado com o Camilo ou contigo’. Eu invejo a relação que ela tinha com o marido, o Alberto Luís, era uma relação excecional. Tão excecional que também me disse: ‘Dou-me tão bem com o meu marido que nos devíamos chamar casal Garcia’. Era de um extraordinário sentido de humor. Outra vez, no final de um espetáculo no Teatro nacional D. Maria, numa altura em que ela o dirigia, fui levá-la ao carro: ‘Estou a pensar fazer uma exposição com os meus vestidos’. Tão engraçada, tão coquete. Contei esta história ao Eduardo Lourenço, que ficou a pensar: ‘Pois, é a nossa rainha Vitória’.
Estou muito triste. Morreu uma pessoa de quem gostava muito, de quem era muito amigo e que era muito minha amiga e que considero uma mulher extraordinária e uma escritora de exceção. Durante muito tempo foi ignorada, inclusive maltratada, porque a obra dela e a personalidade dela se manifestaram num tempo de opiniões muito extremadas. Nem a critica nem os outros escritores compreenderam a sua grandeza. Chegou a altura de se perceber que ela era a melhor de todos eles.