O jogador de xadrez
Já lhe estranhávamos a ausência. Compreendemos o recato voluntário durante as duas semanas de campanha eleitoral para as europeias, até aplaudimos o assomo de discrição e a remissão ao silêncio, esse lugar tão estranho a Marcelo Rebelo de Sousa. Mas, ainda assim, havia a sensação de qualquer coisa fora do sítio. A peça voltou a encaixar-se esta sexta-feira, quando o Presidente de República aproveitou uma intervenção na Fundação Luso Americana para dar provas de que, apesar de pouco usados ultimamente, nem o seu inglês nem a sua verve estão perros.
Fazendo aquilo que sabe fazer melhor, Marcelo analisou os resultados das europeias (supostamente para uma audiência norte-americana) e concluiu, com a mesma candura com que declararia que as quotas da sardinha vão ficar esgotadas a meio do verão, que o centro-direita português está a atravessar uma crise que pode durar vários anos e obrigar o Presidente a ter de exercer o papel de fiel de uma balança de outra forma demasiado inclinada para a esquerda.
Habituados que estamos a procurar o subtexto nas palavras de Marcelo, arriscamos hipóteses de interpretação: O PR a exorbitar e a interferir na cena partidária? O PR a querer fazer as vezes da oposição que acabou de reconhecer falha? O PR a contribuir para afundar (ainda mais) PSD e CDS? O PR a ajudar (mais uma vez) António Costa? O PR a acumular argumentos para se recandidatar? Para mim, a interpretação é outra (e nem por isso desmente nenhuma das anteriores): o PR, pouco confiante na eficácia de PSD e CDS, a fazer o que pode para que a maioria absoluta para o PS nas próximas legislativas não seja sequer cenário, quanto mais realidade.