Sondagem das europeias: crise? Qual crise?
Ao contrário do que pensaram os estrategas do PS e grande parte dos comentadores, o impacto da crise da carreira dos professores parece ter sido marginal. Quem lesse jornais e ouvisse televisão não o diria, mas as opiniões até estão bastante divididas sobre a contagem integral do tempo de serviços para os professores. 42% estão contra, 38% a favor e 20% não tem opinião. Quem olhasse para a opinião publicada julgaria que a oposição era esmagadora. É verdade que a partidarite conta e temos, contra o que seria normal, 57% dos eleitores do PSD a concordar com a contagem integral e apenas 27% do PS com a mesma opinião. Mas é igualmente interessante perceber que estando metade dos funcionários públicos a favor da contagem (natural), 40% dos trabalhadores do privado têm a mesma opinião. A estratégia de virar uns trabalhadores contra os outros, que Passos Coelho usou bastante, talvez já não seja muito eficaz. A diferença é mesmo feita pelos aposentados, esses sim maioritariamente contra a exigência dos docentes.
Quem sai pior deste caso é evidentemente a direita, com baixíssimas avaliações quanto ao seu comportamento. As cambalhotas ou a perceção delas não terão corrido bem. Curiosamente, o CDS é pior avaliado do que o PSD. Mas a avaliação positiva do comportamento do Governo só é esmagadora (77%) entre os eleitores do PS. Em termos gerais, o comportamento do PS é avaliado como bom ou muito bom por 46% dos eleitores. Nada de estrondoso.
O caso das famílias nos gabinetes ministeriais parece ter sido muito mais impactante. Durou mais tempo e, justa ou injustamente, é mais fácil de perceber pelas pessoas. 83% dos eleitores ouviram falar dele e 65% acharam os casos graves ou muito graves. Só 16% os acharam pouco ou nada graves. De notar que entre os que acharam graves ou muito graves está metade dos eleitores do PS.
E a verdade é que a recolha de intenções de voto antes e depois da crise não deteta qualquer mudança de comportamento eleitoral. O PS sobe uns míseros 2% (de 34% para 36%), o PSD fica na mesma (28%), o Bloco de Esquerda sobre um ponto percentual (9%) e a CDU e o CDS descem de 9% para 8%, mantendo-se todos tecnicamente empatados. Os indecisos até diminuem de 11% para 10%. O que aumenta? Os que dizem que se vão abster, que passam de 41% para 47%. Foi esse o grande contributo desta encenação de crise. Devo dizer que temos de ter em conta que, graças à estrutura etária dos seus eleitores, o Bloco tende a ser mais punido se abstenção for alta (assim como o PAN, que baixou dos 3% para os 2%) e o PCP beneficiado. E as sondagens nunca apanham a real dimensão da abstenção. Afinal de contas, as urnas reais não vão até às pessoas.
Os casos das famílias tiveram muitíssimo mais impacto junto dos portugueses do que a crise dos professores Apesar da avaliação negativa das cambalhotas do PSD e do CDS, o caso pouco beliscou a direita e nem se sentiu no BE e no PCP. O único efeito desta crise forçada foi dificultar soluções futuras de Governo
Recordo que nas últimas europeias o PS teve 31,4% (subiria cerca de 5%), o PSD coligado com o CDS teve 27,7% (subiriam quase 10%, que corresponde, em parte, à recuperação do voto em Marinho e Pinto), a CDU teve 12,7% (desceria quase 5%, o que não acredito), o MPT 7,1% (Marinho Pinto deverá desaparecer) e o BE teve 4,6% (quase duplicaria a sua votação, que aconteceu num momento especialmente complicado na vida do partido). Nas últimas legislativas, o PSD/CDS teve 38,4%, o PS teve 32,3%, o BE teve 10,2% e a CDU teve 8,3%.
Nas respostas sobre a situação económica, percebe-se que a avaliação continua a ser positiva, mas cada vez mais morna, com a maioria a dizer que as coisas estão na mesma em relação ao ano anterior. 53% fazem uma avaliação positiva do Governo e apenas 37% uma avaliação negativa. E pouco ou nada mudou entre fevereiro e os dois momentos antes e depois da crise dos professores, em maio. O caminho para o abismo, com a sensação de que o Estado se está a desmoronar, não tem qualquer base de apoio na perceção das pessoas. É interessante verificar, aliás, que um terço dos eleitores do PSD avalia a ação do Governo como boa ou muito boa. É a economia, estúpido!
Mas não é apenas Costa que ganha com esta avaliação. É curioso que os três líderes mais populares sejam os da geringonça. Por esta ordem: António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Depois de Marcelo, claro. Já Rui Rio é o menos popular entre os seus próprios eleitores, enquanto Assunção Cristas é a mais popular entre os seus. No caso de Cristas, é interessante verificar que é a líder mais impopular dos cinco e a que mais é apreciada pelos seus. É um dado que vem de antes: polariza e agrada sobretudo aos convencidos. Boa para segurar eleitores, nem por isso para aproveitar o pouco entusiasmo causado por Rui Rio e fazer crescer o CDS.
Os partidos da geringonça continuam tão bem como estavam e isso parece ter muito mais a ver com a situação económica do que com qualquer das novelas que entretêm o mundo político e mediático. Se os resultados forem os que estão nesta sondagem, o PS e o Bloco sobem em relação às europeias e o PCP desce, mas as europeias tendem, graças à abstenção, a beneficiá-lo no dia do voto em relação às previsões. Como sempre achei que aconteceria, os casos das famílias tiveram muitíssimo mais impacto junto dos portugueses do que a crise dos professores, na qual as opiniões das pessoas estão muitíssimo mais divididas do que a opinião publicada faria prever. O caso das famílias prolongou-se no tempo e é de fácil julgamento moral para a maioria das pessoas. A crise forçada durou um fim de semana, não foi fácil de perceber e os professores até parecem contar com a compreensão da maioria dos trabalhadores. Apesar da avaliação negativa das cambalhotas do PSD e do CDS, o caso pouco beliscou a direita e nem se sentiu no BE e no PCP. A recolha de votos feita antes e depois da crise, pelo ISCTE, mostra que isso não teve qualquer impacto na intenção de voto. Só um: aumentou o número de previsíveis abstencionistas. Talvez, a partir daqui, se aconselhe mais cuidado na dramatização das crises para fins eleitorais. O único efeito desta crise forçada foi dificultar soluções futuras de Governo. Como AQUI escreveu David Dinis, Costa pode ter perdido o futuro mas, ao contrário do que quase todos pensaram, não foi com isto que ganhou a campanha.