TELEVISÃO

As armas e os barões assassinados: a análise à Guerra dos Tronos, onde já morreram 150.966 pessoas

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Foto d.r.

Que heróis e vilões vão sobreviver à derradeira temporada da “Guerra dos Tronos”, cujo primeiro episódio, exibido à noite e na madrugada passadas (consoante o fuso horário), deixou milhões de espectadores de todo o mundo colados ao ecrã?

Texto Rui Cardoso

Desta vez tratou-se de ver televisão à antiga, ou seja, ter de esperar pela hora marcada sem possibilidade de batotas, tais como deixar o aparelho a gravar (a emissão no canal Sy Fy vedava essa possibilidade por ser em streaming, o qual, entretanto claudicava com estrondo na plataforma da HBO Portugal). Era a perspetiva de uma noite animada para quem estivesse disposto a prescindir de umas boas horas de sono.

Imaginemos que o prezado leitor, além de fã da série (senão não estaria a perder tempo com esta prosa), também o é de futebol. Um começo de noite com o Benfica-Setúbal, seguido de um intervalo para beber uns copos com os amigos e comer alguma coisa para ganhar força para o resto do serão. E depois, a partir da uma da manhã, rever o último episódio da sétima temporada (o que acabava com a queda da muralha, qual Linha Maginot incapaz de evitar a blitzkrieg, neste caso dos Caminhantes Brancos) para refrescar a memória.

Mais de 150 mil mortos

Finalmente, às duas da manhã de Portugal Continental, o arranque da sétima temporada, logo com um genérico modificado para nos preparar para as grandes mudanças que aí vêm. Vejamos quais podem ser e arrumemos de vez as tolices sobre spoiling, próprias de narcisistas que não passaram da fase infantil birrenta. Alguém deixa de ler “Por quem os Sinos Dobram” ou “Adeus às Armas” por saber que têm um final trágico? A circunstância de ser do domínio público que o amor de Romeu e Julieta vai acabar mal alguma vez tirou público dos teatros onde é levada à cena a peça de Shakespeare? E saber-se desde 1876 que Siegfried vai morrer na terceira parte de “O Anel do Nibelungo” afasta uma pessoa que seja da tetralogia operática de Wagner?

Ao longo dos primeiros 67 episódios da série televisiva “A Guerra dos Tronos” morreram de má morte nada menos de 150.966 pessoas, entre personagens centrais e figurantes. A maior parte passados a fio de espada, mas também queimados, envenenados, afogados, esmagados ou lançados em abismos, sem esquecer os caídos para além da Muralha, condenados a voltarem a erguer-se como zombies se os seus cadáveres não tiverem sido purificados pelo fogo.

Uma verdadeira mortandade que não poupou as personagens com um mínimo de importância, isto é, aquelas cujo nome nos foi dado conhecer. Das 398 assim recenseadas, mais de metade, ou seja 52%, foram desta para melhor desde o princípio da série: boa parte dos clãs Stark (os pais Ned e Catelyn, os filhos Rob e Rickon, para além do tio Benjen), Frey (a começar pelo patriarca Walder), Lannister (o pai Tywin, os netos Joffrey, Tommem e Myrcella) e Tyrrell, sem esquecer o senhor nómada Khal Drogo, o heróico Barristan Selmy, o promíscuo Oberyn Martell ou o traiçoeiro Petyr Baelish.

Jogos de poder

Mas não é só pelas cenas sangrentas que esta série vale, da mesma forma que “The Walking Dead” é bastante mais do que tipos barbudos a enfiarem chaves de fendas de cabo comprido pelas órbitas dos mortos-vivos adentro.

É verdade que em “A Guerra dos Tronos” não há o lastro etnográfico e antropológico de “O Senhor dos Anéis”, que só um académico formado em história e literatura como J.R.R.Tolkien conseguiria dar. Mas há uma leitura magistral das teias e estratégias de luta pelo poder que, tal como no filme “The Thin Red Line/Barreira Invisível” (Terrence Malik, 1998), tanto podem ter como cenário a ilha de Guadalcanal e o corpo de fuzileiros dos EUA, como uma multinacional, um hospital, um clube desportivo ou a redação de um jornal. Ou, no caso da série, um universo imaginário, com referências variando entre a antiguidade clássica e a época medieval europeia.

E agora? Com o exército dos mortos a romper a muralha, que se vai passar? Irá Winterfell, onde se juntaram os últimos homens livres, transformar-se numa espécie de Valhalla, condenada a sucumbir depois de uma resistência heroica que alimentará as lendas durante milénios?

Que fará a traiçoeira Cersei Lannister, agora que comprou os serviços dos mercenários da Companhia Dourada e tem os seus inimigos Stark e Targaryen ocupados lá longe com a ameaça dos Caminhantes Brancos? No fundo, quem sobrevive nesta oitava temporada e quem deixa o palco direto à eternidade?

Podem fazer-se apostas, especular nas redes sociais ou tentar interpretar sinais deixados nos episódios anteriores. Mas pode-se, como fizeram os cientistas sociais Romane Beaufort e Lucas Melissent a pedido do diário francês “Le Monde”, analisar as probabilidades de sobrevivência à luz da estatística e da sociologia.

Petyr Baelish, a exceção

Os dois académicos começaram por constituir uma base de dados, cronometrando o tempo de antena de cada personagem e peneirando a informação associada em papel e online. Depois aplicaram a técnica da regressão logística usada para determinar a origem de um fenómeno. Isso permitiu-lhes, por exemplo, determinar que as mulheres morriam comparativamente menos que os homens, não por o serem, mas por participarem num menor número de combates. Usando a metodologia demográfica calcularam as curvas de sobrevivência de cada personagem e a sua esperança de vida.

Daí resulta que quando uma personagem sobrevive a mais de 30 episódios fica praticamente ao abrigo da morte. Esta regra empírica aplicada às 17 personagens principais apenas teve uma exceção: a morte de Petyr Baelish, degolado por Arya Stark no último episódio da passada temporada.

Apurou-se que o facto de alguém se envolver em lutas aumentava três ou quatro vezes o risco de ir desta para melhor — e como as mulheres, embora muito menos numerosas na série (uma personagem feminina por cada três masculinas), combatem menos, morrem muito menos. Senão a demografia de Westeros faria face a um problema dos diabos…

Com a cabeça a prémio

Alguns fatores específicos influenciam negativamente a probabilidade de sobrevivência: figuras com uma corpulência fora do comum ou envolvidas em práticas sexuais desviantes, como o bárbaro Craster, que acasalava com as filhas, têm o triplo da probabilidade de morrer e o quádruplo da impopularidade, sendo que cada ponto de impopularidade aumenta 5% o risco de morrer.

Os mais populares são virtualmente imortais, ou seja a probabilidade de entregarem a alma ao criador é mínima: Brienne de Tarth (0,10%), Tyrion Lannister (1,20%), Jon Snow (1,60 %), Arya Stark (5,10%), Cersei Lannister (11,20 %) ou Daenerys Targaryen (16,80%). Já outros como Euron Greyjoy (66,00%) ou o Rei da Noite (58,44%) estão bastante bem colocados para desaparecerem de vez.

Ou não, porque, como lembram os investigadores franceses, trata-se, não de mais uma temporada mas do fim da série e os argumentistas podem ter em mente um massacre final. Ou seja, avizinhando-se a batalha final pelo Trono de Ferro, as regras do jogo podem mudar. Para saber se assim é, não há melhor que ver o resto dos episódios ou seja, tal como o Nacional de Futebol, prognósticos, só depois de 18 de maio…