Não aprenderam com 2008 e vão-nos obrigar a entregar a velhice à banca?
A tese de que este governo fez, depois da intervenção da troika, o mesmo que faria o governo de Passos Coelho é desmentida pela proposta que o antigo primeiro-ministro fez no fim do seu mandato e para a qual queria um acordo com o PS: cortar 600 milhões de euros nos custos da segurança social. António Costa não fez esse corte. Pelo contrário, aumentou em cerca de 3,3 mil milhões de euros o Fundo de Estabilização da Segurança Social, que atingiu o valor recorde de 18 mil milhões, correspondente a quase 9% do PIB. São 22% do total das transferências feitas nos últimos 30 anos. Em vez do corte no Estado Social propostos pela direita, aproveitou-se o bom momento económico e social para aumentar a sua sustentabilidade. E deixou-se claro que a melhor forma de defender a segurança social é fazer a economia crescer e criar emprego.
Dirão que não chega. E é essa a tese do estudo encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que prevê um défice no sistema começaria em 2028 e esgotaria o fundo de estabilização pouco mais de uma década depois. O combate ao envelhecimento, para além de sucesso improvável, nunca viria a tempo. Mas é curioso que entre várias propostas deste estudo, que desenvolvem em pormenor, a procura de fontes alternativas de financiamento mereça apenas a recomendação de não se excluir a possibilidade de ser estudada. Maior desinteresse era impossível.
Depois do que aconteceu em 2008, é insultuoso alguém propor que o futuro do sistema de reformas fique dependente da banca, com descontos obrigatórios para sistemas privados. Se estes gigantes com pés de barro se revelaram demasiado grandes para cair, imagine-se depois de lá enfiarmos as nossas reformas. O Estado, para além de seu fiador, seria seu cobrador. E nós todos seus eternos reféns
O sistema atual, ao associar as contribuições das entidades empregadoras ao número de trabalhadores e aos seus salários, penaliza quem mais emprega e quem paga melhores salários. Este é o modelo que tem de ser posto em causa. E há várias alternativas possíveis (para além das já usadas nestes últimos três anos), nem todas inibidoras do desenvolvimento tecnológico e da produtividade, penalizando antes quem não investe na qualificação dos trabalhadores. A opção de, em vez de explorar estas alternativas, aumentar a reforma até uma idade impensável ou entregar o nosso futuro à banca, não pode ser escondida na frieza técnica da ciência. É uma opção política. Natural, tendo em conta de onde vem a encomenda. Como dizem os liberais, não há almoços grátis.
Muito do debate público tem-se concentrado na proposta de passar a reforma para os 69 anos. Tem razão Jerónimo de Sousa quando desafia aqueles a quem passa pela cabeça tal ideia a experimentarem trabalhar numa fábrica até essa idade. Esta possibilidade nem deve ser levada a sério. Ou impediam despedimentos através da blindagem da lei laboral ou estamos a falar de duas possibilidades: desemprego sem apoios até quase aos 70 anos ou acesso generalizado à reforma antecipada, com redução substancial dos rendimentos dos reformados.
Esta ideia surge como uma de três possibilidades, no caso de se manter o modelo atual do sistema de reformas: aumentar as contribuições para o sistema através do agravamento das taxas contributivas, de 0,5 pontos percentuais até́ um limite máximo de 2,5 pontos percentuais; reduzir o valor das futuras pensões através de cortes de 0,1 pontos percentuais até́ 0,5 pontos percentuais; ou, coisa que deu mais nas vistas, aumentar a idade de reforma até́ quatro anos. Tendo em conta as baixíssimas reformas que se pagam em Portugal, os baixos salários com pouca margem para maiores descontos e o absurdo de acreditarmos que o mercado de trabalho absorveria trabalhadores com quase 70 anos, estas propostas parecem servir mais para serem descartadas do que para serem exploradas.
A verdadeira proposta é mesmo a adoção daquilo que no estudo é referido como o modelo sueco. Ter uma pensão base de natureza contributiva, financiada pelos descontos de trabalhadores e dos patrões; um plano de pensão privado de caráter obrigatório, financiado em regime de capitalização; e um complemento de pensão, sujeito a uma condição de recursos, financiado pelos impostos. A novidade é, obviamente, o desconto obrigatório para fundos de pensão privados. E cheira-me que é o verdadeiro objetivo deste estudo.
Esta proposta, que todas as outras, por serem irrealizáveis, servem apenas para justificar, não tem como preocupação a sustentabilidade da segurança social. Se tivesse, não teria deixado para rodapé irrelevante a possibilidade de quem sabe um dia estudar a diversificação de financiamento. E tiraria alguma conclusão do facto de em apenas três anos se ter conseguido reforçar o fundo de sustentabilidade mais de um quinto do que foi reforçado nos últimos 30. O que está em causa é a sustentabilidade do sistema bancário. Um sistema que, sem nada produzir, vai devorando todos os recursos numa sociedade que substituiu os rendimentos do trabalho e os serviços públicos por crédito, fazendo de nós todos escravos eternos da dívida. Um sistema que tem fome e olha para os fundos de pensões como um irresistível banquete.
Depois do que aconteceu em 2008, é insultuoso alguém propor que o futuro do sistema de reformas fique dependente do sistema bancário, reforçando a total dependência das nossas sociedades e economias do que aconteça a gingantes com pés de barro. Se os bancos se revelaram demasiado grandes para cair, imagine-se depois de lá enfiarmos as nossas reformas. Tal proposta, se avançasse, faria do Estado um refém definitivo da banca. O que libertaria os bancos para fazerem tudo o que entendessem, sabendo que nenhum governo se atreveria a não pagar o que tivesse de pagar.
O Estado, para além de seu fiador, seria seu cobrador. E nós todos seus eternos reféns. Não vale a pena os responsáveis por este estudo refugiarem-se no discurso de que são apenas o mensageiro da desgraça. Se assim fosse, explorariam mais alternativas do que trabalhar até à morte ou entregar o fim da vida à banca. Estudavam aquilo que deixam para outros. Mas este é o preço que pagamos pela privatização da Academia, que substituiu o financiamento público pelo mecenato ideológico de quem nem sequer gosta de pagar impostos por cá.