Opinião

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Martim Silva

E nós, estamos livres de ter um Bolsonaro?

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Um caso, depois outro, e mais outro ainda. Primeiro num país, depois noutro e noutro ainda. Não há forma de fugir a isto, para onde quer que nos viremos: as duas primeiras décadas do século são fortemente marcadas pelo recuo do que chamamos de democracias liberais, um pouco por todo o globo.

Fim da história? O que temos é o fim do fim da história…

Na Europa, os exemplos de ascensão de nacionalismos, movimentos antieuropeus, posições autoritárias de dirigentes políticos e até casos de xenofobia têm-se sucedido. De Le Pen a Farage, de Orban a Salvini. Depois, há Trump. E no planeta temos ainda os exemplos de Erdogan ou Duterte. Onde a democracia não existia agora parece ainda mais longe, onde dava os primeiros passos tem sofrido reveses, e onde estava consolidada tem sofrido abanões sucessivos.

O caso de Jair Bolsonaro, o antigo capitão saudosista das práticas da ditadura militar, complacente com a tortura e ameaçador para grupos e minorias como os homossexuais, é só o exemplo mais recente.

Por cá, temos vivido mais ou menos imunes. A democracia portuguesa, embora jovem, é das mais cristalizadas no que ao sistema partidário diz respeito. Eleitoralmente, a extrema-esquerda vive hoje integrada no sistema, aceitando as regras do jogo democrático. Tal como a direita mais dura. Os extremos, como o PNR de Pinto Coelho, não conseguem furar, e valem hoje menos de 30 mil votos (apesar de se notar um crescimento nas últimas eleições). Outros fenómenos com marcas populistas ou antissistemáticas, como foi o caso de José Manuel Coelho nas Presidenciais de 2011, também não colaram.

Mas será que podemos dar por garantido que os fenómenos populistas e antipartidos e antissistema não vão mesmo pegar em Portugal quando parecem em ascensão um pouco por todo o lado? Responder inequivocamente que sim pode ser perigoso.

Onde a democracia não existia agora parece ainda mais longe, onde dava os primeiros passos tem sofrido reveses, e onde estava consolidada tem sofrido abanões sucessivos

Para as eleições legislativas do próximo ano já temos como novidade assegurada a Aliança de Santana Lopes, que rompeu com o PSD. Mas Santana, mesmo que pareça querer cavalgar um discurso anti-Europa, mais duro do que o do seu antigo partido, dificilmente será alguma vez um antissistema, tendo estado tanto tempo tão dentro do mainstream.

Já o caso de André Ventura parece diferente. Hoje é irrelevante e quase anedótico mas poderá não ser sempre assim. Ventura ganhou visibilidade com a polémica candidatura autárquica em Loures e o seu discurso anticiganos. Hoje, tem presença mais que regular na CMTV como comentador desportivo. E agora decidiu romper com o PSD e avançar para o novo partido – Chega.

No Correio da Manhã deste fim de semana, em entrevista, André Ventura aponta os temas fortes do seu programa político:

Prisão perpétua, castração química dos pedófilos, eutanásia, direitos dos homossexuais, ataque aos ciganos. Está lá tudo. Isto aliado a um discurso supostamente liberal e defensor de uma forte redução da carga fiscal, em que também aqui a carga populista é evidente: “Não posso aceitar é que haja uma parte do país que trabalhe para a outra metade”, afirma o entrevistado.

Acreditar à partida que este tipo de discursos nunca pegarão em Portugal é um erro. O aumento da abstenção e o descontentamento com a classe política existem e estão bem presentes. É certo que Portugal não é dos países com problemas agudos de segurança e imigração. Mas os sinais de descontentamento existem.

“Podemos achar que em Portugal somos mais moderados do que no resto da Europa, mas não somos”. A frase é de André Ventura, na referida entrevista. Será ele o nosso Bolsonaro?