Economic Survey

Elogios, autoelogios e uma polémica silenciada: assim foi a apresentação do relatório da OCDE

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Foto Lusa

A apresentação do relatório da OCDE em Lisboa foi mais pacífica do que a sua elaboração. Para Angel Gurría, secretário-geral da organização, Portugal está no bom caminho - de tal modo que nem reviu a estimativa de crescimento. Corrupção e Álvaro Santos Pereira foram os grandes ausentes da apresentação

Texto Sónia M. Lourenço e Elisabete Miranda

Depois da tempestade, a bonança. Foi em mar de águas calmas que decorreu a apresentação do Economic Survey a Portugal, elaborado pela Organização e Cooperação para o Desenvolvimento Económico (OCDE). Um clima que contrastou com toda a polémica em torno do estudo, por causa da análise sobre a corrupção, com um verdadeiro braço-de-ferro a opor o Governo de António Costa e Álvaro Santos Pereira, diretor do departamento de estudos sobre países da OCDE e ex-ministro da Economia no Governo de Pedro Passos Coelho.

Num evento realizado esta segunda-feira no Ministério da Economia, em Lisboa, a apresentação do relatório coube a Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE, e o tom foi conciliador. Numa sessão que contou com a presença e as intervenções de Pedro Siza Vieira, ministro Adjunto e da Economia, e Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado Adjunto e das Finanças, para além dos jornalistas, Gurría teceu elogios ao caminho percorrido por Portugal nos últimos anos e os membros do Governo manifestaram “satisfação”, aproveitando a deixa para fazerem o auto-elogio, congratulando-se com o trabalho realizado pelo Executivo de António Costa e o reconhecimento da organização sedeada em Paris.

Quanto a Álvaro Santos Pereira, não marcou presença, tal como o Expresso já tinha avançado na semana passada. Questionado pelos jornalistas sobre esta ausência – numa sessão onde as perguntas foram cortadas (caso do Expresso) e ficaram limitadas a duas intervenções de canais televisivos – Gurría revelou que pediu ao diretor da OCDE para não estar presente. Apesar de liderar o departamento que preparou o estudo sobre Portugal, coordenando os trabalhos. Tudo para não alimentar mais a polémica.

“A minha decisão de sugerir a Álvaro Santos Pereira não participar aconteceu na sequência da fuga de informação sobre a versão preliminar” do Economic Survey a Portugal, afirmou o secretário-geral da OCDE. E justificou: “Queria que esta reunião fosse sobre Portugal e o relatório e não sobre Álvaro Santos Pereira”.

Os elogios da OCDE e os autoelogios do Governo

“Começo com boas notícias”, começou por dizer Gurría na apresentação do estudo, depois de agradecer a “excelente colaboração” das autoridades portuguesas na preparação do documento. O secretário-geral da OCDE destacou que “ a redução do desemprego foi impressionante” e que “a recuperação económica está consolidada”, com a OCDE a prever uma taxa de crescimento do PIB português em torno dos 2% em 2019 e 2020. Aliás, a OCDE é a mais otimista a este nível de entre as principais organizações nacionais e internacionais, com exceção do Ministério das Finanças.

O secretário-geral da OCDE lembrou, contudo, que “a crise deixou as suas marcas”, nomeadamente uma taxa de pobreza relativamente elevada e uma perceção de bem-estar subjetivo inferior à registada antes da crise. Apontou ainda que há riscos de origem externa que “ensombram a economia portuguesa”. Por isso, lembrou que “ainda há muito trabalho a fazer”, apesar de a economia estar “no caminho certo”. Até porque, as “ambiciosas reformas estruturais implementadas com sucessos na última década deverão sustentar o crescimento económico”, frisou Gurría.

Quanto à análise da corrupção, que fez correr rios de tinta antes do lançamento do relatório, o secretário-geral da OCDE não se alongou, afirmando que “as autoridades portuguesas têm realizado um esforço contínuo de combate à corrupção” e que “esse esforço tem de ser continuado”.

Depois de Angél Gurría, foi a vez de o Governo tomar a palavra, primeiro através de Ricardo Mourinho Félix e, depois, por Pedro Siza Vieira. E a palavra usada, depois do braço-de-ferro com a OCDE, foi “satisfação”.

“Não posso deixar de manifestar a satisfação pelo reconhecimento da OCDE em relação ao trabalho que o Governo tem realizado”, destacou Mourinho Félix, frisando que “a recuperação da economia é sólida” e que “a OCDE antecipa que a economia portuguesa continue na senda do crescimento nos próximos anos”. Lembrando, em particular, que as finanças públicas “têm evoluído muito favoravelmente”, numa consolidação “sólida” e “estrutural”, o secretário de Estado afirmou que “o Governo fez o seu trabalho”, o que “o relatório da OCDE vem confirmar”. Mourinho Félix fez questão de “agradecer” ao secretário-geral da OCDE e a “toda a sua equipa que trabalhou neste relatório”. Quanto ao nome de Álvaro Santos Pereira, nunca foi mencionado. O tema da corrupção também não mereceu qualquer menção da parte do secretário de Estado.

Pedro Siza Vieira manteve a mesma linha. “É com satisfação que acolhemos o relatório deste ano”, afirmou o ministro, salientando que o documento “reconhece que a recuperação económica está consolidada” e que “as perspetivas de crescimento para os próximos anos são sólidas, estáveis e acima da média europeia”.

Reconhecendo que “há trabalho ainda por fazer”, Siza Vieira lembrou que o estudo “procede à análise de alguns problemas que afetam o país”, apontando algumas recomendações. E frisou que o Governo “revê-se” em muitas delas. Mas, nem todas.

Questionado pelos jornalistas sobre as propostas da OCDE em relação ao aumento de impostos, nomeadamente ao nível do IVA e da tributação ambiental, Siza Vieira salientou que “é um relatório da OCDE” sendo a organização “responsável” pelas recomendações.

“No passado, já houve sugestões, nomeadamente ao nível do mercado laboral, que não foram seguidas”, lembrou o ministro. E reforçou: “a OCDE sugere um conjunto de propostas, mas que o Governo não tem necessariamente de seguir”. Sobre a corrupção e a polémica com Álvaro Santos Pereira, nem uma palavra.

O que diz então a OCDE?

Travão às reformas antecipadas

Preocupado com a sustentabilidade das finanças públicas e, em particular, com o peso que as pensões assumirão no orçamento futuro, o organismo propõe que o Governo continue a apertar as condições de acesso às reformas antecipadas. Para a OCDE os recentes alívios nas penalizações, criados para quem tem carreiras mais lonas, criam desigualdades e não deviam existir. Injustificadas são também as regras que permitem que alguém que perde o emprego possa reformar-se aos 57 anos, após esgotado o subsídio de desemprego.

Limitar as taxas reduzidas de IVA

Portugal tem demasiados bens e serviços tributados a taxas reduzidas de IVA, considera a OCDE, para quem o caminho a fazer é inverso aquele que tem sido seguido pelo Governo (que baixou o IVA à restauração, e, mais recentemente, aos espetáculos). Aliás, a redução de isenções fiscais é uma recomendação que o organismo estende a todos os impostos.

Mais impostos sobre o gasóleo

O Governo tem promovido um conjunto de iniciativas para incentivar uma maior eficiência energética na mobilidade, mas, "são necessárias mais medidas para promover um maior uso do transporte público e a sua eficiência". E, tendo em conta que a tributação do gasóleo é 40% mais baixa que a da gasolina, recomenda que se agravem os impostos sobre o gasóleo, à semelhança do carvão e do gás natural.

Apoios à contratação mais criteriosos

Há vários anos que Portugal tem programas de apoio à contratação de jovens e de desempregados de longa duração, mas, para a OCDE, é preciso ter cautela com estes instrumentos. É que “os subsídios tendem a induzir os empregadores a substituir trabalhadores que não beneficiam deste apoio por outros que beneficiam”. A recomendação é que os subsídios se restrinjam aos trabalhadores em maiores necessidades, como os que têm um risco muito elevado de desemprego de longa duração e pobreza extrema.

Insolvências e revitalizações facilitadas

Apesar de nos últimos anos os processos de insolvência e de revitalização de empresas terem sido facilitados, a OCDE considera que eles continuam a ser restritivos. É preciso ir mais longe para facilitar o recurso a estes mecanismos e, por outro lado, melhorar o mercado de crédito e os problemas de mal parado na banca, sustentam os técnicos.

Mais meios para o combate à corrupção

Tribunais especializados para julgar casos e corrupção e a criminalidade económico-financeira. Redução das possibilidades de recurso dos acusados, para que mais rapidamente possam cumprir pena. Mecanismos mais eficientes de confisco e venda dos ativos associados à corrupção, para que os condenados sejam rapidamente privados do produto do crime. E mais formação e mais meios para o Ministério Público e a Polícia Judiciária. Estas são as, em pinceladas gerais, as propostas da OCDE para tornar o combate à corrupção mais eficaz.

Melhor gestão nos tribunais, juízes mais bem avaliados

Os tribunais estão mais expeditos mas as pendências continuam muito elevadas e o tempo médio que se espera por uma sentença muito altas. Por isso, diz a OCDE, é preciso deslocar juízes dos tribunais menos congestionados para os que têm mais processos acumulados, atribuir assistentes técnicos especializados aos juízes e conferir maior autonomia operacional para a gestão diária dos tribunais. Os juízes devem ser sujeitos a avaliações mais independentes.

Mais concorrência nas profissões jurídicas

Considerando que a lei confere demasiada proteção ao negócio dos advogados, o organismo propõe que, por um lado, caia a restrição que obriga as sociedades de advogados a serem detidas apenas por estes profissionais e, por outro, que os advogados mantenham o exclusivo da negociação de cobrança de dívidas, uma atividade que deve poder ser praticada por outras profissões. Considerando que há profissionais em demasia e que estes podem ter incentivos a aconselharem desnecessariamente os clientes a enveredarem pelos tribunais, a OCDE diz que é preciso aumentar a concorrência na profissão e criar um novo mecanismo que os preços que cobram aos clientes são adequados.