CINEMA

Américo Santos

“O sucesso do Trindade radica em cruzar estreias tradicionais com uma programação na lógica dos festivais de cinema”

Américo Santos, à esquerda, numa das sessões com o realizador brasileiro Walter Sales <span class="creditofoto">Fotos D.R. </span>

Américo Santos, à esquerda, numa das sessões com o realizador brasileiro Walter Sales Fotos D.R.

A comemorar dois anos de atividade, o renascido cinema criado em 1913 e fechado no ano 2000, é um caso de sucesso, diz Américo Santos, responsável da Nitrato Filmes, que tem a cargo a programação do Trindade. Além disso devolveu a sétima arte à baixa do Porto, onde não existia uma única sala com exibição regular. A festa de aniversário prolonga-se desta terça-feira até o dia 16, com antestreias diárias, uma viagem ao cinema da América Latina e um regresso a filmes portugueses pouco vistos

Texto Valdemar Cruz

O que é hoje o cinema Trindade?

Primeiro é preciso dizer que, há dois anos, abrir uma sala de cinema era visto como um risco enorme. A baixa do Porto sempre teve cinema, mas com caráter esporádico. Abrir uma sala com programação diária era contracorrente. Percebíamos, no entanto, que a baixa estava com uma dinâmica cultural muito forte, mas onde faltava uma peça fundamental, que era o cinema. Nesse sentido, o Trindade surgiu na altura ideal, aproveitando, até, a dinâmica criada pelo Rivoli. Criou-se assim um novo circuito numa cidade que teve uma grande influência histórica dos cineclubes. Sempre houve no Porto hábitos cinéfilos muito fortes. O Trindade de hoje faz a ponte entre uma geração nova, de estudantes universitários e profissões liberais, e um público mais velho, que vem dos cineclubes.

Em que é que o Trindade faz a diferença?

Desde logo na programação. Numa sala como o Trindade, que na verdade são duas salas, era necessário evoluir. Há um cruzamento entre estreias tradicionais, que o público quer seguir, com uma programação mais inserida numa lógica de festival de cinema. Este cruzamento tem resultado muito bem. Interessa-nos acolher os festivais de cinema e propostas variadas, que vão responder mais ao gosto cinéfilo. Passa por aí o segredo da qualidade conseguida. Tornou-se uma sala diferenciadora da programação dos cinemas dos centros comerciais ao propor uma oferta vocacionada para o cinema de autor. Os ‘blokbusters” não nos interessam. Esta via diferenciadora tem feito conquistar cada vez mais público, de uma forma consistente.

O Trindade ainda tem margem para crescer?

Sim, claramente. Estamos satisfeitos com a adesão, mas há pessoas que ainda não perceberam exatamente o que é o Trindade. Além disso, o Tripass (um passe criado pela Câmara Municipal do Porto que, mediante o pagamento de uma simbólica quota anual proporciona descontos nas sessões no Trindade, Passos Manuel, Rivoli e Campo Alegre) é importantíssimo. Acaba por instituir uma prática de hábitos. Foi pensado numa lógica de fidelização e tem funcionado.

“Las Herederas”, do paraguaio Marcelo Martinessi, estará na festa do Trindade

“Las Herederas”, do paraguaio Marcelo Martinessi, estará na festa do Trindade

Quais foram os grandes momentos destes dois anos?

Há aspeto que nos interessa muito pelo seu caráter diferenciador e que são as sessões com convidados nacionais e internacionais. A grande maioria dos cineastas portugueses com filmes estreados já passou pelo Trindade. Estes momentos de debate são muito importantes para captar outras esferas de público. Orgulha-nos muito, por exemplo, o que aconteceu há dias com as duas sessões esgotadas com a presença do realizador brasileiro Walter Sales. Mas também tivemos a realizadora argentina Lucrecia Martel, bem como o realizador finlandês Aki Kaurismäki. Depois também percebemos que o Trindade começa a ter muita importância nos meios cinematográficos de Lisboa pelo trabalho de via aberta ao cinema português.

Como vai ser o aniversário?

Começa esta terça-feira com uma programação especial, já muito próxima de um festival de cinema, mas com inclusão de antestreias todos os dias. Teremos o módulo ‘Via Latina’, dedicado à cinematografia da América Latina, um olhar especial sobre o cinema português, apostando em filmes que chegarão às salas em 2019, e resgatando filmes que foram pouco vistos. Teremos, por exemplo, a exibição de ‘Alice’, de Marco Martins, em cópia restaurada. Além disso teremos um foco dedicado ao realizador brasileiro Gabriel Mascara, nome que está e vai revolucionar a cinematografia brasileira. O programa de aniversário abre com ‘Pássaros de verão’, de Cristina Gallego e Ciro Guerra.

“Caminhos Magnétikos”, de Edgar Pêra está no programa

“Caminhos Magnétikos”, de Edgar Pêra está no programa

Quais serão os próximos passos?

Para lá da consolidação e afinação da programação queremos ter em cada semestre um grande cineasta internacional a mostrar o seu trabalho e a fazer 'master classes'. Eventualmente teremos um cineasta português em simultâneo. Além de que nos interessa continuar a acolher festivais. Faz todo o sentido a dinâmica já criada com os festivais de cinema.