GATWICK

“Um ato deliberado” e “insólito”: histórias de um Natal perdido e de um aeroporto paralisado por drones

FACUNDO ARRIZABALAGA

Francisco está no centro de Londres com os filhos a pensar no que fazer para passar o Natal em Portugal. Ficou preso em Gatwick, como dezenas de milhares de outros passageiros, impedidos de voar por terem sido avistados vários drones sobre as pistas durante todo o dia. Há pouquíssimos lugares em voos alternativos. Esteve pode vir a ser um Natal muito diferente

Texto Ana França

Não valia a pena ficar à espera, então Francisco, advogado de Faro que prefere não dar o último nome, foi para o centro de Londres com os dois filhos. Tinha um voo marcado para Faro às 17h25, na EasyJet, que foi cancelado, como foram todos os que iam partir ou aterrar esta quinta-feira em Gatwick, o segundo maior aeroporto de Londres, depois de terem sido avistados vários drones a sobrevoar a pista. Normalmente um aeroporto não fica fechado tanto tempo - já lá vão mais de 20 horas de paralisação - mas as autoridades que gerem o aeroporto não conseguem ainda garantir a segurança das aeronaves que utilizem o espaço aéreo do aeroporto e então decidiram que, pelo menos até às 19h00 desta quinta-feira (mesma hora em Lisboa), não haverá voos. Mas não é certo que a pista abra de todo.

“Vim para o centro com os meus filhos, já não estou no aeroporto. Estava um caos mas nós não passámos pelo pior, porque fomos informados de que não haveria voo e não chegamos a entrar na porta de embarque. Penso que terei de passar o Natal em Londres”, diz Francisco ao Expresso, a partir da capital britânica.

Não há qualquer indicação de que o caos causado pelos drones avistados em Gatwick tenha sido causado por terroristas, mas foi “um ato deliberado”, informou a polícia de Sussex, no sul de país, onde se localiza o aeroporto. A última comunicação aos jornalistas feita pelo chefe de operações do aeroporto, Chris Woodroofe, refere que foi avistado mais um drone perto das pistas por volta da hora de almoço. “De cada vez que parece que estamos a chegar perto do operador do drone, o drone desaparece. Quando começamos a tentar abrir a pista, o drone reaparece”, disse o comissário da polícia de Sussex, Justin Burtenshaw, à Press Association.

Stewart Wingate, diretor executivo de Gatwick, disse que os voos de drones que afetaram o aeroporto foram “altamente dirigidos” para causar “o máximo de problemas na quadra natalícia”.

Ao início da tarde, a BBC dava conta de mais de dez mil pessoas à espera de um voo em Gatwick <span class="creditofoto">FOTO Ani Kochiashvili/via REUTERS</span>

Ao início da tarde, a BBC dava conta de mais de dez mil pessoas à espera de um voo em Gatwick FOTO Ani Kochiashvili/via REUTERS

No total, 722 voos estavam agendados para descolar e aterrar em Gatwick, num total de 110 mil passageiros. Estava previsto que pelo menos dois milhões de pessoas passassem por Gatwick durante esta quadra.

Francisco tem queixas a apontar à easyJet, que, no seu entender, deveria oferecer mais voos, como fez a TAP - que disponibilizou dois aviões a partir do outro grande aeroporto londrino, Heathrow, para compensar os passageiros. “Liguei para a linha portuguesa da EasyJet e disseram-me que me podiam dar compensação monetária pelos voos, mas como não aceitei o reembolso, não me ofereceram mais opções, porque o próximo voo que têm é só dia 26 e é para o Porto”, conta o advogado. “Se eu encontrar valores parecidos noutra companhia também posso marcar, eles pagam, mas não há voos, muito menos por esses preços.” Quando ainda estava em Gatwick, Francisco pesquisou na página da TAP por voos que o trouxessem a passar o Natal a Portugal mas já não havia muitos lugares. Os preços também não são exatamente iguais: “Paguei 500 para vir e a TAP cobra agora 1300 euros para três pessoas no dia 24 de dezembro”.

Quando falou com a dependência britânica da easyJet confirmaram-lhe o que os funcionários portugueses já lhe tinham dito, acrescentando apenas que se guardasse os recibos das despesas “havia uma possibilidade de que me fossem pagas”.

Fonte oficial da easyJet contactada pelo Expresso garante que a companhia “está a fazer tudo para incluir o máximo de passageiros noutros voos”, mas que esta “é uma situação insólita”. Quanto ao facto de que a easyJet apenas esteja disponível para pagar voos alternativos dentro dos valores pagos inicialmente, a mesma fonte disse não ter conhecimento de um limite de valor máximo: “Especialmente nesta altura do ano creio que não se vai impor um valor”.

Segundo o último boletim de informação interno da companhia, que também foi partilhado com o Expresso, as perturbações no aeroporto devem prolongar-se até esta sexta-feira e a pista não vai ser aberta esta noite.

Todas as deslocações para o centro de Londres ou para outros aeroportos também são asseguradas pela easyJet, garantiu a mesma fonte, que aconselha os passageiros a não se dirigirem ao aeroporto e, em vez disso, a pedir reembolsos ou voos alternativos pela aplicação para telemóvel da companhia aérea.

A maioria das companhias aéreas tem nos seus estatutos a obrigatoriedade de oferecer comida e alojamento a passageiros em situações de crise <span class="creditofoto">FOTO FACUNDO ARRIZABALAGA/EPA</span>

A maioria das companhias aéreas tem nos seus estatutos a obrigatoriedade de oferecer comida e alojamento a passageiros em situações de crise FOTO FACUNDO ARRIZABALAGA/EPA

Um pouco ainda perplexo com a situação, Francisco diz, referindo-se aos filhos de 14 e 19 anos, que “eles estão até a lidar melhor que eu”. “Vou tentar distrair-me e distrair-nos.” Fica uma história para contar? “Pois, isso fica.”

Brian Strutton, secretário-geral da Associação Britânica de Pilotos de Avião (BALPA, no acrónimo em inglês), disse à BBC que a sua organização vai pedir ao Governo um perímetro interditado à utilização de drones de pelo menos cinco quilómetros - já que o atual, de um quilómetro, não lhe parece suficiente. “Além disso, este incidente reforça a necessidade de que todos os drones estejam registados para que a polícia possa monitorizar aqueles que estão perto de zonas onde podem representar perigo.”

Estes distúrbios já levaram alguns analistas a pensar em formas de impedir drones de conseguirem aceder ao espaço à volta dos aeroportos. Chris Foxx, especialista em tecnologia da BBC, disse que “podem ser utilizados lasers ou drones maiores armados com redes que possam caçar o drone mais pequeno”.

A Boeing está a estudar a utilização de lasers que conseguem detetar os drones, disparar um raio que aquece a bateria e, assim, fazê-los cair.

Também Alan McKenna, professor de Direito da Universidade de Kent e especialista em leis para regular a utilização de drones, disse, também à BBC, que o mais provável é que as autoridades comecem a pensar em “soluções elétricas” como aquelas “já implementadas na prisão de Les Nicolles, em Guernsey”, que impedem drones de funcionar numa certa área.

As pistas em Gatwick estão interditadas há mais de 20 horas. Comunicados das companhias aéreas falam em "situação nunca vista" <span class="creditofoto">FOTO Peter Nicholls/REUTERS</span>

As pistas em Gatwick estão interditadas há mais de 20 horas. Comunicados das companhias aéreas falam em "situação nunca vista" FOTO Peter Nicholls/REUTERS

O correspondente da BBC em Gatwick explica porque é que sexta-feira pode não trazer grandes melhorias. “É o dia mais complicado de todo o período natalício para as companhias aéreas e mesmo que as pistas sejam abertas durante a noite, não haverá muitos lugares vagos nos aviões, nem sexta nem nos dias seguintes. Os aviões que foram desviados para outros aeroportos podem voltar a Gatwick e voltar às suas posições na pista e só essa operação vai demorar horas”, escreveu Tom Burridge. Alguns voos foram desviadas para outros aeroportos, como Manchester, Luton, Heathrow ou mesmo Paris e Amesterdão.