E o acontecimento do ano no imobiliário é...

Escolhemos este por várias razões. Pela importância que tem em termos imobiliários, económicos, sociais e urbanísticos. Mas também pela dimensão e pelo tempo que demorou até chegar ao momento que se celebrou este ano.

Texto Ana Baptista

Diz-se que à terceira é de vez, mas na venda dos terrenos da antiga Feira Popular foi só à quinta. É isso mesmo. Foram precisas cinco tentativas para vender aquele que é considerado um dos melhores ativos imobiliários da Europa. "Uma pérola", como comentaram alguns investidores estrangeiros no MIPIM em Cannes, o principal encontro do sector.

De facto, mais do que um investimento imobiliário, o desenvolvimento dos terrenos da antiga Feira Popular vai alterar para sempre a cidade, não só em termos urbanísticos, mas também em termos económicos. e sociais, até porque à boleia deste projeto a autarquia decidiu avançar com a consrução de equipamentos sociais, como creches e centros de dia para idosos e com a reabilitação e construção de casas com rendas acessíveis na zona de Entrecampos, aproveitando áreas que também estão paradas há anos.

No total, nos 25 hectares que ocupam os terrenos da antiga Feira - e mais uma parcela na Avenida Álvaro Pais - vão ser construídos escritórios, jardins e 279 casas, e nos espaços restantes serão edificadas mais 700 habitações, ou seja, Entrecampos - que é uma das zonas mais centrais e valiosas de Lisboa com acesso a todo o tipo de transportes e serviços - vai ganhar 979 casas novas.

Claro que tudo isto vai levar o seu tempo a desenvolver - nunca menos de três anos - mas só o processo de venda já serviu para limpar aquele enorme descampado situado mesmo no centro da cidade que, desde 2003, quando a Feira encerrou, estava praticamente abandonado e povoado por vegetação selvagem, ratazanas e até coelhos.

Com tudo isto, quase parece irrelevante saber quem venceu o leilão de venda dos terrenos que decorreu a 12 de dezembro, mas do ponto de vista do negócio imobiliário não é, até porque o processo rendeu muito mais à câmara do que o previsto.

De facto, a Fidelidade Properties, o braço imobiliário da seguradora Fidelidade que agora pertence aos chineses da Fosun, arrematou todas as cinco parcelas à venda por €273,9 milhões, mais €85,5 milhões que o preço base de licitação. São estes mais de €80 milhões que vão para a autarquia e que o presidente, Fernando Medina, garante que vão ser usados para fazer casas a preços acessíveis na cidade.

Do ponto de vista económico, não podemos ainda esquecer que, além destes €273,9 milhões, a Fidelidade terá ainda de investir na construção dos edifícios, onde se incluirá a sua nova sede para concentrar todos os empregados. As estimativas apontam para que estas obras todas possam custar cerca de €300 milhões, um montante significativo para uma empresa privada aplicar na economia.

Uma saga de 15 anos

A Feira Popular de Lisboa, em Entrecampos, encerrou em 2003 com a promessa de que ali seria desenvolvido um projeto urbanístico que iria renovar aquela zona da cidade. Para o efeito, a câmara permutou os terrenos da Feira pelos do Parque Mayer, que pertenciam à Bragaparques e que depois ficaria a proprietária dos 25 hectares. Mas o processo acabou em tribunal e a permuta desfez-se e os terrenos da Feira Popular ficaram na mesma na posse da câmara.

Entretanto veio a crise do imobiliário em 2008, depois a troika em 2011 e os terrenos ali ficaram, parado, à espera de uma decisão. Essa chegou em 2015, quando a câmara marcou para o final de outubro a primeira hasta pública. Mas o leilão ficou deserto, apesar do potencial dos terrenos. Em dezembro, a autarquia voltou à carga, mas o desfecho foi o mesmo: zero interessados. No mercado comentava-se que o processo não tinha sido bem conduzido, que o preço era demasiado elevado mas, acima de tudo, que os terrenos não estavam loteados e não se sabia ainda o que se podia fazer e que sem isso era difícil para qualquer investidor fazer as contas.

Depois de duas negas, o processo voltou a parar, mas com o boom imobiliário dos últimos dois anos e com o os investidores estrangeiros a olhar para Lisboa, a câmara entendeu que estaria na altura certa para vender os terrenos.

Marcou então um novo leilão para 12 de novembro de 2018, e desta vez apareceram três interessados, mas teve de ser adiada duas semanas, para 23 de novembro, porque o Ministério Público (MP) levantou dúvidas sobre o projeto urbanístico que ia ser vendido juntamente com os lotes.

A Câmara respondeu, mas a 22 de novembro, o MP voltou a levantar questões, falando mesmo em ilegalidades no processo que originou a definição dos lotes de terreno. Mais uma vez a autarquia respondeu e os concorrentes analisaram o processo todo, mas não desistiram.

A hasta estava prevista para dia 3 de dezembro, mas como era preciso mais tempo para analisar tudo, foi de novo adiada para 12 de dezembro, dia em que, depois de cinco tentativas, se concretizou o negócio.