Entrevista

Tibor Nagy

Secretário de Estado Adjunto para os Assuntos Africanos dos EUA

“Portugal pode ser um parceiro de segurança muito valioso em África”

<span class="creditofoto">Foto Pedro Nunes</span>

Foto Pedro Nunes

Nascido na Hungria há 70 anos, Tibor Nagy chegou aos Estados Unidos como refugiado, nos tempos da ditadura comunista no seu país. Leva mais de 30 de carreira diplomática, 20 deles em África. Está em Lisboa esta semana, onde sexta-feira profere uma conferência sobre “Reforçar a parceria americana e europeia com África”, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas

Texto PEDRO CORDEIRO

O atual secretário de Estado Adjunto norte-americano para os Assuntos Africanos, Tibor Nagy, foi embaixador na Etiópia e Guiné-Conácri, tendo estado nas representações dos Estados Unidos na Nigéria, Camarões, Togo, Zâmbia e Seicheles. Jubilado, esteve na Universidade do Texas até 2018, ano em que Donald Trump o nomeou para um cargo no Governo.

Vem a Lisboa falar sobre o reforço das parcerias entre a Europa e a América e o continente africano. Por que vias pode passar esse reforço?

Há várias áreas onde creio que os EUA e os países europeus podem formar parcerias positivas. Uma delas é, evidentemente, a do comércio e investimento. Durante demasiado tempo (recordo-me do início da minha carreira), fomos mais rivais uns dos outros do que, por exemplo, com os chineses. Agora olhamos para África e vemos um país que começa a dominar o comércio e o investimento e a apanhar todos os contratos, nem sempre de forma legítima. Têm uma influência gigante que prejudica os interesses da Europa, incluindo Portugal, e dos EUA, e de todos os países cuja ética e forma de fazer negócios é totalmente diferente daquilo em que, infelizmente, muitos Estados africanos estão a cair. Nos anos 80 e 90 havia um terrível problema de endividamento em África. Muita dessa dívida vinha do Ocidente, que acabou por perdoá-la. Se os países africanos não tiverem cuidado, vão enfrentar um problema de endividamento semelhante, mas com empresas detidas pelo Estado chinês. Claro que os países de África são soberanos, mas temos de apontar os perigos. Os países africanos não devem voltar a ficar muito endividados perante empresas públicas chinesas, e depois pedir que os vamos salvar. Penso que os investimentos americanos e europeus podem, por vezes, ser feitos em conjunto, sobretudo em projetos de grande dimensão de que África precisa.

Está a falar de energia, infraestruturas?

Construção, energia, infraestruturas, turismo, hotelaria, banca… todos os tipos de investimentos. Sei que Portugal é conhecido pelas suas competências de engenharia e construção. Do meu ponto de vista, se um grande projeto for lançado por uma empresa americana, porque não envolver uma empresa portuguesa? Por outro lado, é difícil haver comércio e investimento em zonas instáveis ou de conflito. Portugal pode ser um parceiro de segurança muito valioso em África, para aquilo que países como os EUA estão a tentar fazer: promover a estabilidade, combater o terrorismo. Uma zona de que se fala pouco mas cujo perigo cresce é o golfo da Guiné. A pirataria começa a afetar a exploração de gás e petróleo, que ali é feita offshore. A segurança marítima torna-se uma questão crucial. Muitos leitores conhecerão o problema do a violência extremista no deserto do Sahel, mas o golfo da Guiné é uma zona de alto risco onde as parcerias podem ser úteis.

A Guiné-Bissau, um país que fala português, assemelha-se por vezes a um narco-Estado.

Felizmente tem algumas medidas positivas do Governo, recentemente. Cruzemos os dedos. No auge da instabilidade tivemos de encerrar a nossa embaixada lá. Mas também há um país lusófono muito estável, que é Cabo Verde. Portugal também faz um trabalho tremendo numa das zonas mais perigosas do continente, a República Centro-Africana, ao participar na missão de manutenção da paz das Nações Unidas. Isso é muito significativo, numa das áreas mais volúveis de África. Merecem louvor por isso. Falar de África na Europa é, forçosamente, falar de migrações.

Vê o investimento como forma de travar a necessidade de as pessoas migrarem?

Uma das minhas prioridades neste cargo tem sido aquilo a que chamo tsunami juvenil. Com a duplicação da população entre agora e 2050, o número de jovens adultos entre os 15 e os 25 anos vai crescer vários milhões. A Nigéria vai ultrapassar os EUA enquanto terceiro país com maior população do mundo. Vai ser um problema muito grande para o mundo, em que poucas pessoas pensam hoje. Irá a juventude africana ser uma força de dinamismo, crescimento económico, estabilidade, criação de emprego, progresso tecnológico e todas essas coisas fenomenais de que a juventude é capaz? Ou irá ser uma força altamente destrutiva e agravar a instabilidade, a criminalidade internacional, o terrorismo e as vagas migratórias que rumam à Europa? Tem tudo que ver com emprego. Os jovens africanos vão à Internet, como os jovens de Lisboa, e querem exatamente o mesmo. Os mais novos têm os mesmos sonhos em todo o mundo, que começam com um bom emprego que lhes permita obter tudo o resto. Se não tiverem acesso a um emprego, seja devido à corrupção ou por terem líderes que não se importam com eles, gerar-se-á um motor de instabilidade e a Europa estará no centro do alvo.

Estamos do outro lado de um mar estreito.

Isso preocupa-me muito. É por isso que defendo o comércio e o investimento e aquilo a que chamamos um campo de jogo equitativo para investir. Quero que firmas portuguesas ou americanas considerem atraente o investimento nos países africanos. Sabemos que há países que não se importam com a inviolabilidade dos contratos, a corrupção, a justiça… estão dispostos a pagar a um juiz para que emita a decisão que lhes convém. Não querem saber se criação de emprego, trazem os seus próprios trabalhadores. Não querem saber de regulamentações ambientais, ao passo que as empresas ocidentais têm o ambiente como ponto forte. Não querem saber de contratação de todas as minorias étnicas ou das mulheres, enquanto as nossas empresas apostam na igualdade de oportunidades. Os nossos países não andam, além do mais, a açambarcar madeiras valiosas, cornos de rinoceronte ou marfim, contribuindo para a extinção das espécies. Se nos concentrarmos nos jovens e no seu emprego, podemos gerar correntes positivas que beneficiarão não apenas as sociedades africanas como as nossas próprias empresas.

Ou seja, é difícil competir com os chineses porque são menos escrupulosos?

Mas é possível. Se os governantes de um país não quiserem saber dele, é muito mais fácil aceitarem envelopes cheios de dinheiro por debaixo da mesa. Se, pelo contrário, se importarem com as suas populações, quererão qualidade, oportunidades de trabalho, segurança ambiental, estes aspetos que refiro. Um dos lemas que temos no Departamento de Estado é: olhemos para África pelo para-brisas, não pelo espelho retrovisor. A nova África não passa pelos velhos ditadores. Claro que ainda há alguns a perpetuarem-se no poder, ano após ano, mas estão a cair, um a um. A juventude africana não quer dirigentes com quatro vezes a sua idade! E preocupa-se com estas questões. Não querem autoestradas sem qualidade a ruir três meses depois de inauguradas, como sucedeu com parte da circular de Ádis Abeba. Coisas destas acontecem e os jovens africanos têm as mesmas preocupações que os do resto do mundo.

Que diferença fez nas relações EUA-África terem tido, em Barack Obama, um Presidente afroamericano?

Fez imensa diferença de uma perspetiva simbólica, mas se olharmos para as grandes iniciativas que os EUA levaram a África nos últimos governos, é interessante verificar que cada Presidente fez algo de muito relevante. Apraz-me constatar que África continua a ser, nos EUA, um dos temas políticos cruciais que não divide democratas e republicanos. Toda a gente apoia África. Clinton lançou a Lei de Crescimento e Oportunidade para África, apesar da forte objeção dos sindicatos americanos. George W. Bush lançou o PEPFAR, um enorme programa de combate ao VIH/sida, malária, tuberculose… e vinha de um partido que não tem fama de se preocupar com estes soft issues! Obama, pelo simples facto de ser afroamericano, estimulou a energia dos africanos em relação aos EUA, mas também lançou o plano Feed the Future [Alimentar o Futuro] e aquele que considero o mais importante projeto a longo prazo, a Young African Leaders Initiative [Iniciativa de Jovens Líderes Africanos], com as bolsas Mandela, que mandam para os EUA mais de 500 jovens líderes africanos por ano, das pessoas mais inteligentes que já conheci. E agora o Presidente Trump tem a estratégia Prosper Africa. Se for tão bem-sucedido como alguns dos projetos anteriores e perdurar, constituirá uma força tremenda de criação de empregos e riqueza em África, além de beneficiar setores económicos dos dois lados do mar. Logo, as administrações americanas têm trabalhado de forma contínua, sem prejuízo de o legado do Presidente Obama ter tido um impacto superior.

Tenho de fazer esta pergunta: como é ser um diplomata responsável pelos assuntos africanos numa administração cujo líder fala de forma menos elegante sobre alguns Estados desse continente [“shithole countries” ou, em tradução livre, “países de merda”]?

Oh, essa pergunta! Já ma fizeram para aí 50 vezes, não há jornalista que não a coloque, e mesmo quando fui depor no Congresso. Mas note: os africanos gostam de ver o que fazemos. Digo sempre que seremos conhecidos pelas nossas ações. Orgulho-me do que fazemos na frente VIH/sida, nos milhares de milhões de dólares que damos a África para saúde, educação, bem-estar. Agora queremos fazer crescer as economias africanas através da comunidade empresarial. Não tenho nada de que pedir desculpa. Vejam o que a América faz. Orgulha-me o que tem feito e o que o atual Governo tem procurado fazer na frente dos investimentos.