Pedro Marques e a lição portuguesa
Pedro Marques tem má imprensa. Dizer que alguém tem má imprensa não é criticar o visado, é criticar a comunicação social. Porque não é suposto que alguém tenha má imprensa. Mas esta dinâmica, já se sabe, é imparável. Quando se instala uma caricatura sobre um candidato ela repete-se e alimenta-se a si mesma, com jornalistas e comentadores a seguirem-na, mais por preguiça do que por convicção. Pedro Marques é o cromo desta campanha e já não vai conseguir sair daí.
Claro que António Costa ajudou a construir o cenário para Pedro Marques ser um cromo. Ao propor-se fazer destas eleições um referendo ao seu governo e escolher um ministro que não teve grandes oportunidades para brilhar criou um ambiente propício ao seu apoucamento. Foi Costa que transformou Pedro Marques numa figura secundária. A comunicação limitou-se a tratá-lo com esse estatuto. Talvez tenha sido mais um momento de excesso de confiança do primeiro-ministro.
A ideia do referendo ao Governo resulta de uma opção tática óbvia e de um discurso estratégico enganador. Se a “geringonça” é popular, Costa quer ficar com os louros já nas europeias. Para quê falar de Europa se estar no Governo dá votos? Isto é a tática. A estratégia vive de uma fantasia: a ideia de que este governo provou que é possível compatibilizar as metas europeias com políticas de esquerda. O que quer dizer que descobriu a pólvora e agora a quer exportar para a Europa.
O bom ambiente económico europeu escondeu a insustentabilidade da dívida, a impraticabilidade das metas europeias em tempo de crise sem provocar brutais impactos sociais e a incompatibilidade de políticas de esquerda com as atuais regras do euro. A lição que o PS julga dar à Europa irá a Europa dar-lhe a ele. Centeno já a sabe de cor
É conveniente mas ignora a extraordinária situação externa, que não confrontou o país com as suas fragilidades e o Governo com todas as suas contradições. É em crise, como se viu em 2011, que o teste se faz. Claro que há diferença entre o que este governo fez e o que fez o anterior e isso teve efeitos na economia. Se o negasse não teria apoiado a “geringonça”. Por escolha própria e por imposição dos seus parceiros, tomaram-se medidas que redistribuíram melhor os ganhos da recuperação e, com isso, a aceleraram. Isto prova que a austeridade é uma escolha errada, infelizmente não prova que é possível manter políticas contra-cíclicas e sociais quanto se está em crise, compatibilizando-as com as metas europeias. Porque elas foram tomadas quando não estávamos em crise.
Qualquer pessoa honesta reconhece que seria impossível ter os brutais superávits primários que Centeno conseguiu com a política de distribuição de rendimentos que tivemos nestes quatro anos num momento de crise económica minimamente comparável ao que se viveu em 2011. E que a única forma de manter os mínimos sociais e travar essa crise sem destruir a economia seria não cumprir as metas de forma tão escrupulosa, renegociar dívida e fazer quase tudo o que a Europa não quis que fizéssemos na altura.
O bom ambiente económico europeu escondeu tudo: a insustentabilidade da dívida, a impraticabilidade destas metas em tempo de crise sem provocar brutais impactos sociais e a incompatibilidade de casar políticas económicas e sociais de esquerda (para os momentos de crise e de crescimento) com as atuais regras do euro. Ainda bem que o escondeu. Ninguém quer sofrimento para provar o seu ponto. Mas é grave que sejam os próprios políticos a ignorar o que ficou escondido. E o pior é que esta tese começa a fazer escola em alguma esquerda europeia, que toma Portugal como a prova de que há futuro dentro destas baias.
Esta narrativa dos socialistas acabará por lhes trazer problemas políticos futuros. Semelhantes aos que viveram em 2011. Lembram-se quando o anterior governo do PS apresentava PEC atrás de PEC, garantindo que medidas internas de austeridade e liberalizadoras teriam efeitos no rating e nos juros e nada acontecia? Como a história veio a provar, nada podia travar a onda que vinha de fora. Mas, com a conversa que foram fazendo, criaram o caldo político que convenceu os portugueses que o problema era solucionável por dentro. Quando as coisas descambaram a direita usou essa mesma mensagem para responsabilizar o PS pela bancarrota. Ao voltar a desprezar o ambiente externo para valorizar o seu papel e ao vender a ilusão da compatibilidade das imposições europeias com um programa de esquerda os socialistas estão a cometer o mesmo erro, que terá, quando a próxima crise vier, as mesmas consequências. Adiam o debate sobre os constrangimentos europeus e preparam a sua responsabilização pelos efeitos do que venha a acontecer na Europa. Querem os louros do sucesso agora, terão também os espinhos do insucesso depois.
A evidência das contradições desta estratégia no discurso duplo do PS, que referi na última sexta-feira: enquanto mantêm uma geringonça de esquerda cá dentro procura construir uma geringonça no centro-direito lá fora. E este desencontro é especialmente evidente em Mário Centeno, que, como presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças de um governo de esquerda, conseguiu encarnar todas as contradições do discurso socialista. O conflito entre a retórica e a realidade. Não sou eu que digo que Centeno é, com diferenças de grau, um continuador da lógica de Vítor Gaspar. É ele. Foi ele que disse, numa reportagem do “Financial Times”, que a mudança de trajetória não tinha sido grande. Isto é o balanço que ele próprio faz do seu mandato de ministro das Finanças. Como presidente do Eurogrupo, e apesar das ESPERANÇAS DE RUI TAVARES, também não houve grande mudança. Há pouco mais de um ano, o Centeno em que tantos depositavam as suas esperanças responsabilizou os gregos por não se terem apropriado (estou a citar) do processo de ajustamento mais cedo, atribuindo à austeridade os bons resultados que acha que tiveram.
Costa faz uma avaliação do passado correta, reconhecendo que a moeda que foi quase exclusivamente criada por governos socialistas foi um “bónus” dado aos alemães. Que esta moeda é estruturalmente punitiva para os países periféricos da Europa. Mas não tira daí qualquer conclusão e imagina que, em quatro anos de governação num clima económico favorável, resolveu essa contradição insanável que explica porque Portugal está, há duas décadas, a afundar-se num pântano.
Perante a contradição do seu discurso, é natural que Costa tenha resolvido transformar estas europeias num referendo ao Governo. Porque o governo da “geringonça” é popular (por causa dos três partidos que a compõem) e porque ela alimenta ilusões em relação à Europa. Também é normal que tenha escolhido um ministro pouco conhecido, que não puxa para si o foco e garante que a mensagem não sai daqui. Mas o PS continua em negação. A lição que julga dar à Europa irá a Europa dar-lhe a ele. Mário Centeno já a sabe de cor.