Parlamento
A tarde em que Costa respondeu com dezasseis perguntas a uma pergunta sobre as famílias do Governo
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A tarde em que Costa respondeu com dezasseis perguntas a uma pergunta sobre as famílias do Governo
No debate quinzenal, só o PSD confrontou o primeiro-ministro com o “elefante na sala”: as nomeações de familiares de responsáveis socialistas. Depois de se desviar do assunto mais incómodo para o Governo, Costa contra-atacou, acusando o PSD de ter um programa escondido para subir impostos e penalizar a função pública
Texto Filipe Santos Costa
Havia, disse Fernando Negrão, “um elefante na sala” durante o debate quinzenal desta quinta-feira, na Assembleia da República - a questão das nomeações de familiares de membros do Governo e outros responsáveis socialistas para cargos na estrutura do Governo e na máquina do Estado. Segundo o líder parlamentar do PSD, a pergunta a que o primeiro-ministro tinha de responder era uma: “Não consegue nomear pessoas qualificadas para funções nos gabinetes sem serem familiares de membros do Governo?
À pergunta de Negrão, que António Costa considerou “uma questão muito interessante e importante, que merece ser discutida porque nunca foi levantada anteriormente”, o primeiro-ministro respondeu… com outras dezasseis perguntas.
Ganhe fôlego, aqui vão elas:
“Qual deve ser o grau de limitação dos direitos dos familiares de qualquer titular de cargo político? Limitação dos familiares deve incidir só sobre cargos de nomeação ou também sobre cargos eletivos? Sobre cargos de nomeação antecedidos de concurso, ou só os de nomeação livre? Abrangem os cargos de competência técnica ou os de confiança política? Qual é o grau de incompatibilidade que se deve estabelecer? É num governo relativamente a outros membros do governo, ou entre membros do governo e titulares de outros órgãos de soberania? (Tenho visto referidos casos de pessoas que são nomeadas para gabinetes e que são familiares de deputados à Assembleia da República.) O impedimento é só para os deputados da Assembleia da República dos partidos que apoiam o Governo, ou abrange também familiares de deputados à AR de partidos da oposição? (Porque também tenho visto referidos esses casos). Deve-se referir também ao Presidente da República? (Porque vi referido um caso de um sobrinho do PR que também foi chefe de gabinete de um membro deste governo). Refere-se também a titulares de órgãos autárquicos? (Porque já vi referido uma nora de um antigo presidente de câmara.) Devem ser limitações quanto a casos atuais ou também cargos anteriores? E qual é o período de anterioridade que é relevante? Qual é o grau de parentesco e de familiaridade que deve ser interdito? Onde é que se traça a fronteira? É onde está delimitado no Código de Procedimento Administrativo? É discricionário? São só parentes em linha direta? Gostava de saber, e acho que é muito relevante podermos apurar serenamente esse debate.”
Em vez de responder a uma pergunta simples, mas incómoda, o chefe do Governo diluiu-a numa catadupa de pergunta complexas - e desviou uma questão ética, ou de bom senso, para uma série de questões legais de resposta virtualmente impossível. Negrão assinalou isso mesmo: “Porque é que o senhor primeiro-ministro fugiu a responder à pergunta? Divagou sobre normas de natureza ética e não deu uma única resposta para justificar o ponto a que chegaram as nomeações ligadas a relações familiares no âmbito do Governo e altos cargos de Estado”.
Costa não só “densificou” a dimensão jurídica do problema com que o Governo tem sido confrontado, pedindo “um critério” com “uma regra comum”, como deu relevo ao assunto, que remeteu para outras instâncias, fora da avaliação que compete ao primeiro-ministro: seria, disse, um bom assunto para a Comissão de Transparência se pronunciar (nunca, nos três anos de trabalhos da Comissão, que se concluem esta semana, o assunto foi levantado).
“É um tema suficientemente importante para ser pena que tenha surgido nesta conjuntura, porque até parece que surge associado a um processo eleitoral que está à vista, e - ainda pior - associado a uma série de falsidades que tenho visto divulgadas”, lamentou o primeiro-ministro. Costa não imputou ao PSD a divulgação dessas falsidades, mas ficou lá perto - a certa altura até lamentou que Negrão não tenha pedido desculpa por elas.
O fantasma do “programa eleitoral do PSD”
Nas suas respostas, o primeiro-ministro ficou à beira de lançar a acusação que seria verbalizada, logo a seguir, pelo deputado socialista João Paulo Correia: “O PSD dedica-se à política dos casos, à espuma dos dias”, apenas “para que não se fale do sucesso desta governação, e para não se falar do programa eleitoral do PSD, que está a ser forjado pelo conselheiro económico de Rui Rio, que ontem foi apresentado publicamente com o alto patrocínio do presidente do PSD”.
De facto, não foi apresentado qualquer “programa eleitoral” ou “ante-programa eleitoral” (como o mesmo deputado lhe chamou depois), mas apenas um livro da autoria de Joaquim Miranda Sarmento, economista que é porta-voz do Conselho Económico Nacional (CEN) do PSD. Um livro com propostas polémicas - e potencialmente muito impopulares -, sobre as quais Rui Rio se manteve ambíguo, nem as subscrevendo, nem se demarcando delas. Mas esteve presente na apresentação da obra, admitiu que a sua presença ali “significa que eu me revejo [nele] e que ele se revê em mim” e não poupou elogios ao autor (“um académico brilhante, muito bem preparado”).
Foi quanto bastou para o PS, e o primeiro-ministro, tratarem as propostas de Joaquim Sarmento como se já fossem propostas oficiais do PSD. Sarmento defende, entre outras ideias, o regresso das 40 horas na função pública, uma coleta mínima de IRS de 40€ mesmo para as famílias que apresentam declaração mas estão isentas, o regresso do IVA da restauração aos 23%, criticando fortemente outras medidas, como a redução das propinas ou dos passes sociais
“Como o PSD não quer debater publicamente [este programa eleitoral] dedica-se à espuma dos dias”, acusou João Paulo Correia. Foi a deixa para António Costa, que durante o frente a frente com Fernando Negrão se mostrou à defesa, passar ao ataque.
Acusou o PSD de fazer “uma grande campanha assente em muita mentira e muita fantasia” e agarrou na tese de que o que o PSD não quer é discutir as suas próprias propostas. “O que o PSD propõe é o aumento do IRS, criando uma coleta mínima para os que estão isentos de IRS passarem a pagar IRS - esta é a justiça fiscal do PSD: aumentar impostos para os mais pobres, que estão hoje isentos”; “o aumento do IVA da restauração de novo para os 23% - o que pensam as micro e as pequenas empresas da restauração e os milhares de pessoa com emprego na restauração? Se o PSD fosse governo as propinas aumentavam e os passes sociais voltavam a subir - é isto que o PSD não quer discutir”.
Sem pestanejar perante a evidência de que estas não são (pelo menos, por enquanto) propostas do PSD, Costa desferiu a estocada final: “PSD agora é só carinho para a Administração Pública, ontem até generosamente queriam oferecer aos trabalhadores da adm pub mais 5 horas de trabalho semanal, com o apadrinhamento do professor Cavaco Silva e sob proposta do seu responsável económico.”
“As medidas que forem necessárias”
Houve debate para além das divagações ético-jurídicas de António Costa e das propostas virtuais do PSD? Sim. Catarina Martins quis saber sobre a hipótese de se acabar com as taxas moderadoras na Saúde (Costa chutou para canto) e perguntou sobre um descongelamento da carreira dos enfermeiros que conte o seu tempo total de serviço (Costa respondeu que “estamos no bom caminho para um entendimento”).
Jerónimo de Sousa deu uma deixa sobre o regresso de Cavaco Silva (na apresentação do tal livro de Joaquim Sarmento) e Costa aproveitou para cair em cima do ex-PR - “A direita está tão furiosa” com o sucesso do Governo que “até o anterior Presidente da República sai do recato próprio dos ex-PR” só para “exprimir a raiva que a direita tem”.
Assunção Cristas quis discutir o aumento da carga fiscal, e Costa negou sempre que exista algum aumento; perguntou se o primeiro-ministro admite aumentar os impostos, este não respondeu e a líder do CDS concluiu daí que “ficamos a saber que essa hipótese está na sua cabeça”; a líder do CDS ainda inquiriu sobre que medidas o Governo está a ponderar por causa da seca, e ficou a saber que “serão adotadas as medidas que forem necessárias”.
Daqui a 15 dias há mais.
No debate quinzenal, só o PSD confrontou o primeiro-ministro com o “elefante na sala”: as nomeações de familiares de responsáveis socialistas. Depois de se desviar do assunto mais incómodo para o Governo, Costa contra-atacou, acusando o PSD de ter um programa escondido para subir impostos e penalizar a função pública