SOCIEDADE

“O 1º bebé-milagre desenvolve-se indiferente ao complicado mundo dos adultos”: uma lição para o 2º

<span class="creditofoto">Foto António Pedro Ferreira</span>

Foto António Pedro Ferreira

Lourenço está quase a completar três anos de vida. Uma vida muito especial: foi o primeiro bebé a nascer em Portugal de uma mãe em morte cerebral. Vive com os tios, mascara-se de Patrulha Pata no Carnaval, desenvolve-se. No dia em que o “milagre” da ciência se repetiu, com o nascimento de um segundo bebé de uma mulher ligada há 20 semanas a equipamento de suporte de vida, os tios-avós que cuidam de Lourenço partilham com o país, através do Expresso, como é ver crescer uma criança surpreendente

Texto Christiana Martins e João Pedro Barros

Há dois anos, o texto sobre a evolução do bebé-milagre começava assim: “Os caracóis são do pai, ninguém duvida. Os olhos, da mãe, diz quem sabe. O riso é dele. A saúde é de uma enorme equipa de médicos e enfermeiros.” Ele é Lourenço Salvador, que um ano antes, no verão de 2016, tinha surpreendido a medicina ao nascer depois de ter sido declarada a morte cerebral da mãe. Foi o primeiro “bebé-milagre” a nascer nestas condições em Portugal.

Esta quinta-feira, a história repetiu-se, também às 32 semanas, também com o nome de Salvador. É assim que se chama o bebé que nasceu no Hospital de São João, no Porto, para onde a mãe, de 26 anos, foi transferida já em morte cerebral, após um “ataque de asma agudo” lhe ter provocado uma “hipoxia [falta de oxigénio no sangue] grave”. Era dia 26 de dezembro de 2018 e a família já tinha concordado tentar manter o corpo da mãe viável para terminar a gravidez.

O objetivo era fazer o bebé chegar às 32 semanas, período a partir do qual as taxas de sobrevivência são quase de 100%. A equipa multidisciplinar reunida pelo São João falhou essa meta por apenas um dia e, apesar de Salvador ter nascido com dificuldades respiratórias e de ter sido necessário ativar a respiração mecânica, “o bebé nasceu bem”. Mas ainda não é garantido que a morte da mãe não tenha tido consequências. Para já, as perspetivas são boas: “Nada diz que vá haver alguma sequela”, aponta Hercília Guimarães, do serviço de neonatologia do São João.

O caso de Lourenço Salvador, que em junho fará três anos, permite o maior otimismo. O ritmo de crescimento é normal. A família nem por isso. A mãe morreu antes de ele nascer, o pai e a família materna acompanham-no à distância. São os tios-avós paternos que cuidam dele.

A CARTA DOS TIOS-AVÓS DE LOURENÇO

“Em Junho faz três anos que Portugal se emocionou com a notícia do nascimento de Lourenço Salvador, que ficou conhecido como o bebé-milagre.

A alegria do nascimento desta criança coincide com o desligar das máquinas que mantinham a sua mãe em vida artificial, confirmando a tragédia que foi a sua morte. A apreensão inicial sobre a saúde neurológica deste bebé transformou-se num somatório de alegrias.

As vastas equipas médica, de enfermagem e de pessoal auxiliar permitiram esta vitória da medicina portuguesa, numa demonstração do que o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de mais belo. De facto, mesmo após o nascimento do Lourenço, o SNS tem estado ao seu melhor nível, com inúmeras consultas de desenvolvimento, de acompanhamento, de prevenção, etc.. É seguramente um dos bebés mais vigiados do país, do ponto de vista clínico.

Acompanhar o crescimento de um bebé é uma tarefa que enche de alegria qualquer adulto, mas no caso do Lourenço esses acontecimentos são dados marcantes: o primeiro sorriso, o primeiro dentinho, as primeiras palavras, os primeiros passos.

Integrado numa família emocionalmente estável, de tios-avós paternos com 63 anos de idade, duas primas, de 24 e 30 anos, Lourenço vive tranquilamente na freguesia de Alfragide, às portas de Lisboa.

Frequenta a escola desde o berçário e de acordo com as educadoras demonstra capacidades de aprendizagem ao nível das crianças da sua idade.

A falta de presença de uma estrutura familiar tradicional (pais/avós/irmãos) não obsta a que o Lourenço seja feliz. Para já cresce e desenvolve-se indiferente ao complicado mundo de alguns adultos.

Lourenço Salvador é uma criança feliz!”