Marcelo em Angola

“Ué, ué, ué! Toquei num Presidente!”

<span class="creditofoto">Foto João Relvas/LUSA</span>

Foto João Relvas/LUSA

Lubango, o primeiro banho de multidão. Muito povo e muito Marcelo. O Presidente não gosta de carros blindados que não abrem a janela para agradecer ao povo: fez 10 quilómetros em hora e meia, com a porta aberta e um pé no estribo, a acenar. Um pesadelo para a segurança

Texto Vítor Matos em Angola

Ué, ué, ué”. Marcelo foi recebido assim, com o povo de Lubango, na província da Huíla, em histeria. “Ué, ué, ué”, gritavam os grupos de danças tradicionais tribais que ensaiavam há horas ao sol. Uma confusão: “Façam o cordão, façam o cordão!”, gritava a segurança, os miitares, a polícia, os serviços secretos, aflitos com as fintas do Presidente português, que já tinha feito cerca de 10 quilómetros em hora e meia, com o pé no estribo de um carro blindado que não abria as janelas, para poder ir cumprimentando o povo todo que estava à espera dele nas estradas que ligavam o aeroporto ao centro da cidade (antiga Sá da Bandeira, como fez questão de dizer ao grupo de jornalistas um assessor do governador provincial). O atraso estava explicado pelo intercâmbio de afetos.

Desde o aeroporto ao centro - o voo demorou cerca de hora e meia desde de Luanda - tinha “milhares de pessoas” à espera. A viagem foi outro desafio à segurança. O próprio Presidente contou aos jornalistas, à beira do esmagamento, no meio da turba e dos gritos: “Parei muitas vezes, mas fui sempre fora do carro. Para não cair, vinha pendurado com uma mão e por isso não podia ir muito rápido. É que” - explicou - "como a viatura é blindada não dá para abrir a janela. Vinha com um pé no estribo e uma mão a segurar. Para cumprimentar todos, ou saía do carro ou íamos tão devagar que por isso demorámos muito tempo…” Ouvia “Marcelo, amigo, o povo está contigo”, gritos de “Angola!”, “Portugal!”, era disto que Marcelo Rebelo de Sousa estava à espera.

<span class="creditofoto">JOÃO RELVAS/ LUSA</span>

JOÃO RELVAS/ LUSA

Marcelo balançava de um lado para o outro da estrada, no centro de Lubango: corria para a multidão à esquerda, corria para a confusão à direita, braços esticados, beijos, abraços, apertos de mão. “Ué, ué, ué”, gritavam e acenavam as bandeirinhas de Angola e de Portugal distribuídas uma hora antes da chegada. Levaram-lhe um veterano de guerra em cadeira de rodas e ele abraçou. Meteram as criancinhas da escola em fila, nas roupinhas bem lavadas e alvíssimas de uniforme, a cantarem “bem-vindo-bem-vindo" e ele beijou. Beijou-as todas, uma a uma, antes de entrar no edifício do Governo Provincial, a acenar outra vez para a multidão, que lhe acenava de volta.

Não demorou muito a sair e a voltar ao estribo do blindado, com a segurança toda a correr à volta, estilo “Homens do Presidente".

Não é só mais um banho de multidão de Marcelo Rebelo de Sousa. Aquilo que em Portugal se convencionou chamar distribuir afetos aqui tem outro significado. A distância em relação ao poder em Angola era muito, confidenciava com o Expresso uma fonte da comitiva portuguesa. Com a abertura de João Lourenço já terá havido uma evolução. A entrada de “Ti Celito” em ação é uma forma de aproximação do poder. “Toquei no Presidente”, dizia um popular, e é um presidente estrangeiro”. Queriam tocar-lhe ao menos isso.

<span class="creditofoto">JOÃO RELVAS/ LUSA</span>

JOÃO RELVAS/ LUSA

Conhecem-no da televisão, das emissões dos canais portugueses, não é só fruto da atenção mediática que tem tido dos media angolanos. “Claro, conheço-o da televisão portuguesa, é o melhor Presidente da Europa”, diz ao Expresso Tomé Cativa da Costa, estudante de 24 anos. “Depois do Obama, o melhor é o Marcelo”, acrescenta o amigo, Raimundo Gil, da mesma idade. “Gostamos do presidente e do professor também”, diria outro jovem enquanto esperava a chegada do “Ti Célito”.

À espera, também tinha Lurdes do Carmos uma portuguesa que regressou a Angola depois da viragem do milénio (apesar de ter fugido em 1975). O marido, que morreu há cinco anos, era obcecado com Angola. Estava acompanhada pela sobrinha e marido que vieram de férias esta semana, ignorando a visita de Estado. Nem no Lubango se viram livres de Marcelo.