CIMEIRA

“Um simples ponto de partida”: há 21 medidas do Papa para acabar com os abusos sexuais na Igreja

<span class="creditofoto">Foto Vincenzo Pinto / EPA</span>

Foto Vincenzo Pinto / EPA

Francisco quer fazer uma pega de caras à “chaga dos abusos sexuais perpetrados por clérigos contra menores”. “O santo povo de Deus olha para nós e espera de nós não apenas condenações simples e óbvias, mas medidas concretas e eficazes a aplicar”

Texto Manuela Goucha Soares

A mensagem do Papa não podia ter sido mais clara: o abuso sexual é crime e quem o comete não tem lugar na igreja, seja padre, bispo ou cardeal. E foi a transparência desta mensagem de Francisco que determinou a ‘redução’ de Theodore McCarrick ao “estado laical”, lembra ao Expresso a teóloga Teresa Toldy, investigadora do Centro de Estudos Sociais e professora da Universidade Fernando Pessoa.

“O santo povo de Deus olha para nós e espera de nós não apenas condenações simples e óbvias, mas medidas concretas e eficazes a aplicar. É preciso ser concreto”, disse o Papa Francisco no discurso inaugural da cimeira sobre a proteção de menores na igreja, que começou esta quinta-feira no Vaticano.

Os 190 participantes que ouviram o discurso do Papa sabem que Francisco quer fazer uma pega de caras à “chaga dos abusos sexuais perpetrados por clérigos contra menores”, escreve a agência Ecclesia. Está em marcha uma revolução de práticas e valores no interior da instituição católica.

McCarrick foi cardeal de Washington, é um grande da igreja. Ser reduzido ao “estado laical” significa ser desapropriado da condição de clérigo: não pode ser padre, celebrar missa, desempenhar qualquer função inerente ao ministério clerical.

Theodore Edgar McCarrick, ex-cardeal de Washington <span class="creditofoto">Foto Alessandro Bianchi/REUTERS</span>

Theodore Edgar McCarrick, ex-cardeal de Washington Foto Alessandro Bianchi/REUTERS

O Papa apresentou um documento para ser discutido pelos 190 participantes na cimeira sobre a proteção de menores na igreja com 21 propostas, que são um “um simples ponto de partida”, nas palavras de Francisco (pode consultá-las na íntegra no fim deste artigo). A comunidade tem de estar preparada para saber como pode “reconhecer os sinais de abuso e denunciar suspeitas de abuso sexual”.

No documento é ainda referido que as autoridades civis e eclesiásticas superiores devem ser informadas de acordo com as normas civis e canónicas e que devem ser estabelecidos protocolos específicos para a gestão das acusações contra bispos, assim como cursos de formação permanente para “bispos, superiores religiosos, clero e agentes pastorais”.

Em Roma, os testemunhos vieram da América, Europa, África e Ásia pela voz das vítimas e de quem investigou abusos, como é o caso do arcebispo de Malta, Charles Scicluna, que foi o enviado do Papa para investigar casos de abusos no Chile: “Ouvimos vozes muito fortes e emocionadas e creio que precisávamos de ouvir as vítimas. Sempre disse que para compreender a gravidade da situação é fundamental ouvir e encontrar as vítimas”, disse Scicluna aos participantes na cimeira.

Manifestantes com fotos de vítimas de abuso junto à Basílica de São Pedro, esta quinta-feira de manhã no Vaticano <span class="creditofoto">Foto GIUSEPPE LAMIEPA/EPA</span>

Manifestantes com fotos de vítimas de abuso junto à Basílica de São Pedro, esta quinta-feira de manhã no Vaticano Foto GIUSEPPE LAMIEPA/EPA

Críticas à igreja portuguesa e à proximidade a Bannon

O abuso “é crime”, diz Teresa Toldy, lembrando que o abuso tem de ser sempre reportado às autoridades civis e julgado como crime pela lei civil: “Os tribunais eclesiásticos podem aplicar medidas no interior da igreja, mas essas medidas não podem excluir” nunca um julgamento pela lei civil. “Há que denunciar. Sempre.”

Toldy não poupa críticas ao clero português pela sua ausência de proatividade na denúncia de abusos: “O que não vemos nem ouvimos [no nosso país] é a conferência episcopal dizer algo de substancial sobre tudo isto. Não basta dizer que há poucos casos de abuso - não é esta atitude que espelha a mensagem do Papa”, que apela à procura ativa desses casos e não à espera que as denúncias entrem pela casa adentro.

A proximidade do ex-conselheiro de Donald Trump Steve Bannon com sectores ultra-conservadores da hierarquia católica são motivo de preocupação para Teresa Toldy. Bannon assessorou a estruturação curricular de um curso sobre liderança do Instituto Dignitatis Humanae, nos arredores de Roma. Em setembro último, esta informação foi confirmada à agência Reuters pelo cardeal Raymond Burke – um influente conservador do Vaticano que participou em ações de campanha de Donald Trump. Toldy e outros católicos não esquecem que Burke também disse à Reuters que está ansioso por trabalhar com Bannon “para promover uma série de projetos que devem contribuir decisivamente para a defesa do que costumava ser chamado ‘Cristandade’”.

Há dois dias, os cardeais da ala direita da igreja, Raymond Burke e Walter Brandmüller, assinaram uma carta aberta para os presidentes das 114 conferências episcopais em que questionam o empenho de Francisco no combate ao abuso de menores.