A tempo e a desmodo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Acabar com o almoço antes que o almoço acabe connosco

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As pessoas começam a rir quando insisto no problema que é o nosso hábito do almoço aos dias da semana, mas este riso, lamento, revela o provincianismo português que recusa comparações, que recusa mudar e melhorar. Sim, o hábito ainda marialva do almoço de uma hora (ainda por cima a começar às 13h) nos dias de trabalho é um dos nossos maiores problemas económicos. E, acima de tudo, estes obstáculos culturais e até legais (na lei do trabalho) à jornada contínua são porventura o nosso maior problema familiar. Querem os portugueses almoçar com os colegas ou querem jantar com os filhos?

Se telefonarmos para uma empresa portuguesa às sete da noite, alguém atende. Na Alemanha, ninguém atende. Enquanto não resolvermos isto, continuaremos a ter – ao mesmo tempo – uma fraca produtividade e, acima de tudo, um colapso da família

Se telefonarmos para uma empresa portuguesa às sete da noite, alguém atende. Na Alemanha, ninguém atende. Enquanto não resolvermos isto, continuaremos a ter – ao mesmo tempo – uma fraca produtividade e, acima de tudo, um colapso da família. Porque é que aquela pessoa está lá às sete horas? Porque esteve a almoçar entre as 13 e as 14, ou mais. Além da pausa em si, há o problema óbvio de recomeçar a trabalhar depois de uma pausa recreativa e de barriga cheia. A tarde não pode render, o ritmo não será o mesmo.

Claro que depois isto cansa sobretudo as mulheres. Quando chegam a casa às sete ou oito, são elas que tratam da lida da casa e dos filhos, ou melhor, do único filho, pois este dia a dia torna impossível a maternidade ou paternidade. A nossa morte lenta na demografia tem a sua primeira raiz nesta absurda conceção do dia de trabalho, que não existe em mais nenhum país civilizado. Irei continuar a repetir isto até que alguma coisa mude: a nossa fraca produtividade e a nossa baixa natalidade, talvez os nossos maiores problemas de fundo, têm a sua primeira raiz no absurdo hábito do almoço gigantesco durante a semana de trabalho. Isto é claríssimo para quem vê Portugal a partir de Berlim, Amesterdão ou Barcelona.