Japão

O meu nome é Jumpei Yasuda. Muito obrigado

Foto EPA

Ele já tinha conhecido brevemente a violência da privação de liberdade: três dias depois de ter sido feito prisioneiro durante a guerra no Iraque, em 2004, foi libertado. Onze anos mais tarde, o horror da prisão tornou-se verdadeiramente extenso: sequestraram-no em junho de 2015 em Idlib, na Síria, e esteve três anos sem falar o seu idioma, permaneceu continuamente isolado e a prisão fez o que faz, venceu-o. Está livre ao fim de 40 meses em cativeiro e o mundo interroga-se: que homem há depois disto?

Texto Hugo Tavares da Silva

Rezou todos os dias e, almejando a boa fortuna, fabricou mais de 10 mil origamis, uma arte que aperfeiçoou ao longo dos 75 anos de vida. Mas a sorte de Sachiko tardou em chegar. O filho desta mulher, o jornalista japonês Jumpei Yasuda, foi raptado em junho de 2015, na Síria, mais exatamente em Idlib, o último bastião rebelde daquele país.

Yasuda, natural de Iruma, é jornalista desde 1997. Durante anos espalhou as suas palavras pelas páginas do jornal “Shinano Mainichi Shimbun”, até que, em 2003, decidiu que era altura de se desprender do nó que o agarrava à terra de sempre. Seguir-se-ia o jornalismo freelance. A aventura. O comer o mundo com os seus olhos e não com os ouvidos.

No mesmo ano em que decidiu mudar a pele para lobo solitário, ocorreu nos Açores a Cimeira das Lajes, que juntou algures no Atlântico George W. Bush, Tony Blair, José Maria Aznar e Durão Barroso, o então primeiro-ministro português. A luz verde para a invasão do Iraque de Saddam Hussein brilhou ali mais do que nunca. A coligação internacional, liderada por Estados Unidos e Reino Unido, estava prestes a começar um episódio que não saberiam encerrar.

Foto Kyodo

Nos primeiros meses de 2004, já com a guerra em curso, Yasuda fez a mochila, pegou nos blocos de notas e seguiu para o Iraque. No dia 15 de abril daquele ano, pode ler-se num artigo do “The Guardian”, a comunidade internacional ficava a conhecer mais um capítulo da vaga de raptos em território iraquiano. Neste caso, eram dois japoneses: Nobutaka Watanabe e Jumpei Yasuda, com 30 anos. Escrevia-se então que os dois repórteres tinham sido intercetados quando seguiam num táxi. Iam tirar fotografias à carcaça de um helicóptero norte-americano. Foram libertados ao fim de três dias.

Pouco mais de 14 anos depois, Yasuda voltou a viver o mesmo calafrio. Mas em pior. Desta vez, o calafrio do repórter que se enfiou no coração de uma guerra civil prolongou-se durante 40 meses. O japonês estava em Idlib quando foi levado por um grupo ligado à Al-Qaeda. As horas passaram. Os dias passaram. As semanas. Os origamis começaram a ganhar forma. Passaram-se meses. Os anos em cativeiro multiplicaram aqueles pedaços de papel sublimes que só imploravam por sorte.

Foto Jiji/Epa

Um dos últimos trabalhos do nipónico contava a história do amigo Kenji Goto, um jornalista freelancer que foi degolado pelo Daesh em janeiro de 2015. Haruna Yukawa, outro jornalista daquele país asiático, teve o mesmo fado.

Em março de 2016, durante 2017 e em julho de 2018, um homem que parecia ser Jumpei Yasuda apareceu em diversos vídeos. A família ganhou esperança.

Quem sabe menos crente na arte da sogra, Myu, uma cantora japonesa e mulher de Yasuda, decidiu falar publicamente do caso em agosto. “A minha mensagem para os sequestradores é que quero o meu marido de volta, em segurança, o mais rápido possível… Eu compreendo que os sequestradores não são pessoas más no coração, mas sim pessoas influenciadas pelas tensões regionais”, contou na altura o “Japan Times”. “Tenho suportado os últimos três anos sem notícias e mantive o silêncio… Mas, quando vi o vídeo do meu marido, percebi quão terrível é a situação dele.” A artista mal segurava as lágrimas.

Foto Kim Kyung-Hoon/Reuters

O jornalista, de 44 anos, estava refém de um grupo extremista a operar na Síria, um país virado do avesso com a guerra civil entre o regime de Bashar al-Assad e os rebeldes, com a participação de outros países, nomeadamente a Rússia.

Na quarta-feira, finalmente, foi conhecido o fim do cativeiro de Yasuda. Tokyo soube-o na véspera, através das autoridades governamentais do Qatar. Um jornalista amigo de Yasuda considera que a morte de Jamal Khashoggi, o saudita que foi assassinado no consulado da Arábia Saudita em Istambul, pode ter apressado a decisão. Ou seja, o Qatar, um dos protagonistas nesta história, quereria ficar bem visto junto do Japão.

Yasuda, aparentemente em boas condições e com menos peso, estava na Turquia em trânsito para o Japão quando gravou um pequeno vídeo em inglês. “O meu nome é Jumpei Yasuda, um jornalista japonês. Eu estive preso na Síria durante 40 meses. Agora estou na Turquia. Agora estou em segurança. Muito obrigado.”

Mert Ozkan/Reuters

O “Japan Times” acompanhou o regresso a casa do repórter. Foi no aeroporto de Narita, esta quinta-feira, que voltou a estar com a mulher e os pais. O terror que paira na mente de quem imagina o que terá passado Yasuda ganhou a forma de palavras. “Dia após dia, tornou-se difícil controlar-me, sempre a pensar que não seria libertado naquele dia”, contou à estação estatal NHK, informando ainda que não falou qualquer palavra do seu idioma nestes 40 meses, talvez por isso as primeiras declarações parecessem enferrujadas.

E continuou: “Eu comecei a sentir como se estar numa solitária fosse normal. Fiquei surpreendido com esse sentimento e senti-lo é muito triste”.

Quando viu o marido naqueles corredores do aeroporto, Myu correu e abraçou-o, afastando da lembrança aqueles tempos angustiantes. “Ele estava um bocado tímido quando lhe disse ‘bem-vindo a casa’.”

Dez milhões de dólares de resgate e mais de dez mil origamis depois, Jumpei Yasuda voltou para os seus.