A tempo e a desmodo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

O smarthphone é uma barreira à integração dos emigrantes

Contactos do autor

Entramos num cabeleireiro ao calhas. As cabeleireiras brasileiras têm a tv ligada num canal brasileiro. Vivem em Portugal mas passam o dia todo com a cabeça no Brasil através da televisão; nas pausas e em casa, ligam o telemóvel e passam horas a falar com os familiares que estão a milhares de quilómetros. No jardim de infância, a família ucraniana não está a falar com as famílias portuguesas no dito jardim, estão ligadas à Ucrânia por telemóvel. Passa-se o mesmo com os chineses das lojas. Passam o dia inteiro com o telemóvel ligado à China. É uma reação humana compreensível, claro. Mas também pode ser um problema, sobretudo nos EUA marcados pela emigração hispânica e na Europa marcada pela emigração muçulmana.

Sem smathphone era melhor <span class="creditofoto">Foto Samuel Nacar / SOPA Images / LightRocket via Getty Images</span>

Sem smathphone era melhor Foto Samuel Nacar / SOPA Images / LightRocket via Getty Images

A tv por cabo e o smarthphone garantem ao emigrante um acompanhamento “live” do país que deixou para trás. Ele vive objetivamente numa cidade europeia ou americana, mas a cabeça permanece na cultura de origem. Há um avatar financeiro, que vive cá, e a pessoa real, que permanece por lá. Para quê um esforço de integração nos hábitos e culturas locais quando se pode simplesmente ligar o iPhone e ver um jogo, filme ou talk show do país de origem? Para quê fazer um esforço de integração com os vizinhos ocidentais quando se pode ligar o iPhone e falar o dia todo em árabe ou espanhol?

A integração do emigrante tem que partir dele. É um esforço humilde, físico e analógico de ligação aos vizinhos. Este esforço torna-se dispensável na sociedade do iPhone, que permite ao emigrante estar o dia todo numa ligação “live” ao seu país de origem

Disseram-nos que a sociedade do smarthphone e da net seria uma sociedade de aproximação e concórdia. Não é. O smarthphone só aproxima as pessoas daquilo que elas já conheciam. Não está a criar capacidade de integração, está a criar tribalismo, porque permite às pessoas “viverem” apenas e só com os “seus”. A integração do emigrante tem que partir dele. É um esforço humilde, físico e analógico de ligação aos vizinhos. Este esforço torna-se dispensável na sociedade do iPhone, que permite ao emigrante estar o dia todo numa ligação “live” ao seu país de origem.